terça-feira, 21 de junho de 2016

Que mande a lei, não caprichos!


“Defender o Estado de Direito e o regramento da atuação estatal é a garantia que todos teremos de que amanhã o monstro repressivo não sairá do esgoto para nos tirar o sono. Juízes são cidadãos e têm o direito à manifestação do pensamento e posicionamentos ideológicos que não se constituam em reiterada conduta político-partidária. Devem reservar a toga para pronunciamento de julgamentos em garantias dos direitos, não para expressões de apoio a quem persegue seus antagonistas de classe. Se não defendermos as garantias constitucionais para todos, chegará o tempo em que não subsistirão para ninguém”.
A ideia de que as sociedades devem ser regidas por leis, e não por vontades pessoais, remonta a Aristóteles. O filósofo grego nos deixou obras que fundam o pensamento político ocidental na política e na ética. É dele a concepção de que é melhor ser governado pelas leis que pela vontade de um qualquer, e disto decorreu o Estado de Direito. Neste, agentes públicos atuam de acordo com a lei, quando por ela autorizados, e não em seus sentimentos pessoais, e particulares podem tudo o que a lei não proíbe.
Em momento no qual instituições democráticas vivem assacadas, com criminalização das práticas sociais e interpretações capazes de imputações de crimes a quem não os cometeu, a defesa do Estado de Direito é meio de contenção do fascismo em ascensão.
As gerações futuras haverão de olhar para o tempo no qual estamos vivendo e se assombrar com o que fazemos. Da redemocratização do país e edição da Constituição de 1988 às ‘Jornadas de Junho’ de 2013, jamais experimentamos tamanho obscurantismo. A criminalização dos movimentos sociais e das manifestações populares teve total apoio do ministro da Justiça da presidente Dilma, José Eduardo Cardozo.
Foi emblemática a prisão de estudantes e a condenação de um morador de rua, Rafael Braga, por suposta posse de coquetel molotov, quando o que possuía era um frasco com detergente com o qual higienizava os locais onde dormia. A condenação ocorreu sem que o Judiciário determinasse perícia no material apreendido. Mas o ministro que apoiava a criminalização não concebia que a presidente poderia vir a ser acusada de crime de responsabilidade quando igualmente não se está diante de crime.
Defender o Estado de Direito e o regramento da atuação estatal é a garantia que todos teremos de que amanhã o monstro repressivo não sairá do esgoto para nos tirar o sono. Juízes são cidadãos e têm o direito à manifestação do pensamento e posicionamentos ideológicos que não se constituam em reiterada conduta político-partidária. Devem reservar a toga para pronunciamento de julgamentos em garantias dos direitos, não para expressões de apoio a quem persegue seus antagonistas de classe. Se não defendermos as garantias constitucionais para todos, chegará o tempo em que não subsistirão para ninguém.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 19/06/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-06-18/joao-batista-damasceno-que-mande-a-lei-nao-caprichos.html

 

A gravidade e as quedas


“O delegado já prestou muitos serviços. Foi o responsável pela criminalização de manifestantes nas Jornadas de Junho de 2013. Teve o apoio da então chefe de polícia, hoje deputada Martha Rocha, em sua atuação contra a sociedade. Mas o apoio lhe faltou, tanto da antiga chefe quanto do atual, que, depois de ver o perigo que corria, retirou a escada e o deixou pendurado no pincel. Resultado: a gravidade do que afirmara e fizera promoveram sua queda”.
Isaac Newton é um filósofo que marca a Idade Moderna. Viveu e pensou os problemas do seu tempo e, diferentemente dos antecessores, que atribuíam a divindades as ocorrências no mundo natural, indagou das causas e efeitos dos fenômenos. É dele a conceituação da Lei da Gravidade, força que atrai os corpos para o centro da Terra. Teria passado a pensar sobre tal fenômeno ao ver uma maçã cair da árvore.
Ao longo da semana, a gravidade em certas situações também promoveu quedas. Não a gravidade estudada por Newton e depois por Einstein. Mas anomalias de natureza grave na administração pública. De ministros do presidente interino à mulher do deputado afastado Eduardo Cunha não há espiral ascendente, mas queda em parafuso. Em queda livre caíram o Japonês da Federal e o titular da DRCI, que negava a existência de crime de estupro coletivo contra adolescente, com o apoio do chefe de Polícia.
A prisão do Japonês da Federal e a exoneração do delegado são demonstrações de que a contribuição com as anomalias dos superiores hierárquicos somente produzem prestígio enquanto não se cai em desgraça. O Japonês exibiu-se nas operações espetaculosas a serviço do juiz Sérgio Moro e posou nas manifestações em prol do impeachment, bem como ao lado de políticos conservadores e oportunistas que pugnavam pelo afastamento da presidente eleita. Mas era acusado de facilitação a contrabando.
O delegado da DRCI negou o estupro coletivo, e o Chefe de Polícia endossou sua opinião, na esperança de que perícia pudesse ratificar o que se afirmava. Perícias comprovam fatos, mas laudos podem justificar versões. Farsas não faltam. O Caso Amarildo é um deles e no Caso Juan uma perita afirmou que o corpo era do sexo feminino. Uma segunda perícia desmontou a farsa.
O delegado já prestou muitos serviços. Foi o responsável pela criminalização de manifestantes nas Jornadas de Junho de 2013. Teve o apoio da então chefe de polícia, hoje deputada Martha Rocha, em sua atuação contra a sociedade. Mas o apoio lhe faltou, tanto da antiga chefe quanto do atual, que, depois de ver o perigo que corria, retirou a escada e o deixou pendurado no pincel. Resultado: a gravidade do que afirmara e fizera promoveram sua queda.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 12/06/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-06-11/joao-batista-damasceno-a-gravidade-e-as-quedas.html
 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Mídia, polícia, política, estupro


“O delegado titular da DRCI avocou o caso para si, de plano afastou a possibilidade de violência sexual e o tratou como mera exposição de imagem na internet. É também acusado de haver submetido a vítima a constrangimento, crime tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente. No interrogatório da vítima, teria recebido carinho da namorada. Teve apoio do chefe de polícia. O governador interino sugeriu pena exemplar que a Constituição não permite, mas os mantém no cargo. A mídia exagerou em sentido contrário. Expôs a imagem de suspeitos, antes mesmo de indiciamentos, acusações ou julgamentos. Fez, portanto, o seu julgamento em caráter irrecorrível”.
Mídia, polícia, punitivistas raivosos e raivosas, moralistas e políticos oportunistas mais uma vez agiram simultaneamente para tirar os proveitos possíveis diante do estupro coletivo de adolescente na Zona Oeste do Rio. Agravou-se a situação da vítima, quando sua proteção é dever legal.
O delegado titular da DRCI avocou o caso para si, de plano afastou a possibilidade de violência sexual e o tratou como mera exposição de imagem na internet. É também acusado de haver submetido a vítima a constrangimento, crime tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente. No interrogatório da vítima, teria recebido carinho da namorada. Teve apoio do chefe de polícia. O governador interino sugeriu pena exemplar que a Constituição não permite, mas os mantém no cargo. A mídia exagerou em sentido contrário. Expôs a imagem de suspeitos, antes mesmo de indiciamentos, acusações ou julgamentos. Fez, portanto, o seu julgamento em caráter irrecorrível.
Estupro não é prática sexual. É violência; é crime contra a dignidade sexual, caracterizada por desejo e consentimento. Qualquer um com capacidade de consentir pode estabelecer relação com outro ou outros para o que dê prazer e tem o direito de cessar o que faz quando não mais desejar. O consentimento cessa quando não mais se quer, assim como no caso de perda da capacidade de consentir. Sexo sem consentimento é estupro. Contato sexual com pessoa que promete sexo em troca de droga e perde a capacidade de consentir, após uso, é estupro. A intenção de prática sexual com diversos parceiros simultânea ou sucessivamente não obriga continuar com uns depois de ter feito com outros. A ideia de que “o bonde não pode parar” é expressão da cultura do estupro vigente numa sociedade machista e misógina, capaz de tratar mulheres como objeto de prazer, retirando-lhes a qualidade de pessoa e as tratando como coisa.
Moralistas atribuem responsabilidade às vítimas e justificam violências. Punitivistas aproveitam para, sadicamente, aumentar penas. Políticos oportunistas editam leis de ocasião, desconsiderando que o Direito Penal não melhora a realidade. É preciso educar para a consideração ao outro, para a liberdade, para a sociabilidade e para o respeito. Sem isto a cultura do estupro remanescerá.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 06/06/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-06-04/joao-batista-damasceno-midia-policia-politica-estupro.html