Na noite do dia 01 de abril de 1964 o presidente do Congresso Nacional, Auro de Moura Andrade, em sessão indevidamente convocada, declarou – sem ouvir o colegiado - vaga a presidência da República. Jango estava no Rio Grande do Sul, de onde Brizola o instigava a resistir ao golpe. Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, levou ao Congresso carta do presidente informando seu paradeiro, que foi lida em plenário, mas ignorada. Auro de Moura Andrade, depois de declarar criminosamente vaga a Presidência da República, atravessou a Praça dos Três Poderes, acompanhado de outros golpistas, para empossar o deputado Ranieri Mazzilli na presidência, que teve como Ministro Chefe do Gabinete Civil o político iguaçuano Getúlio Moura.
Mas a farra durou
pouco. No dia 09 de abril um grupo de militares autointitulados Comando Supremo
da Revolução editou um ato institucional mostrando quem tinha as armas e a quem
os golpistas deveriam obedecer. A presidência de Ranieri Mazzilli foi para o brejo.
Consumado o golpe empresarial-militar uma noite caiu sobre o país e as
instituições. Políticos e militares nacionalistas, juízes, promotores de
justiça, advogados, líderes sindicais e professores foram cassados
sumariamente. Aqueles que não se dispunham a colaborar com o regime foram
perseguidos. No dia 11 de abril o Congresso Nacional, num gesto de boa vontade
com os donos das armas, elegeu o Marechal Castelo Branco para a presidência da
República.
O Marechal Castelo
Branco era do Grupo da Sorbonne e dos tenentistas, militares que gostavam de
livros e cultura. Costa e Silva era o líder da ‘linha dura’ e enfrentava o
próprio presidente. Editoriais de jornais conservadores instigavam o judiciário
a participar das perseguições a pretexto de combater a corrupção. E muitos
magistrados, ao arrepio da ordem jurídica, ouviram e seguiram o Canto das
Sereias, tornando-se colaboracionistas do regime.
Em Goiás, o general
Riograndino Kruel iniciou perseguição ao Governador Mauro Borges. Sobral Pinto
impetrou habeas corpus preventivo em favor do Governador ameaçado de
impeachment e prisão. As apurações haviam sido feitas em inquérito policial
militar. Dr. Sobral alegou que provas haviam sido forjadas e que o governador
deveria ser processado e julgado somente após pronunciamento da Assembleia
Legislativa, uma vez que tinha direito a foro especial e assim dispunha a
Constituição.
O STF deferiu a
liminar. Mas, o general descumpriu a ordem. O presidente do STF, Ministro
Ribeiro da Costa, alertou que se as ordens do STF não fossem cumpridas ele
entregaria as chaves à sentinela de plantão. O Marechal Castelo Branco
determinou cumprimento. A linha dura e os editoriais dos jornais não perdoaram
o STF por garantir o primado da Constituição. O ministro Victor Nunes Leal propôs
que o regimento interno do STF fosse alterado para manter Ribeiro da Costa na
sua presidência até a aposentadoria compulsória que se avizinhava. Para
contentar a linha dura o Marechal Castelo Branco decretou intervenção em Goiás
e afastou o governador. Mas, o judiciário cumprira o seu papel. Quando a linha
dura deu um golpe interno nos tenentistas e decretou o AI-5 os ministros que
apoiaram Ribeiro da Costa foram cassados.
Ulisses Guimarães
quando da promulgação da Constituição em 1988 declarou: “A Constituição
certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto
a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca.
Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito.
Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade,
mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério”. Defender o primado
da Constituição, sem colaboracionismo com governos, é defender as liberdades
públicas, diante das ameaças da cadela do fascismo que sempre está no cio.
Publicado originariamente
no dia 29/08/2020 no jornal O DIA. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/08/5979323-joao-batista-damasceno--governador-afastado.html