sábado, 24 de fevereiro de 2018

JUDICIÁRIO É PODER INDEPENDENTE E NÃO PODE SE PRESTAR A MERO AUXILIAR DE INTERVENTOR

O Judiciário, no Brasil, é um poder do Estado. Existe para a realização substancial e não apenas formal do Direito. Aos juízes são asseguradas as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, para que possam atuar como contrapoder na garantia dos direitos de quem os detenha, ante violações pelo poder político (civil ou militar) ou poder econômico, expresso pelas corporações.

Mas, juízes vêm confundindo seus papéis institucionais. Alguns oriundos de fileiras policiais ou militares, ou conviventes em tal parcela da sociedade, colocam-se como “combatentes a serviço do bem”, quando têm o papel de árbitros das demandas e realizadores dos direitos e garantias fundamentais.

Decretada a intervenção na governadoria do Estado do Rio de Janeiro e subtraída do governador a competência para nomear o secretário de segurança e organizar os serviços, foi nomeado pelo poder interveniente um general para gerir a área. O interventor poderia ser qualquer pessoa, militar ou civil. Mas o Presidente da República optou por nomear um general. Não se trata de intervenção militar, pois quem intervém é o Presidente da República e não o general.

A nomeação de um general para interventor não desnatura o ato e não a torna intervenção militar, apesar do disposto no parágrafo único do art. 1º do Decreto 9288/2018. O interventor, autoridade político-administrativa por força da designação, haveria de cumprir o plano da intervenção que o decreto, inconstitucionalmente, não explicitou.

Na lacuna do decreto de intervenção, onde falta explicitação do que fazer e “condições de execução” exigidos pelo art. 35 da Constituição, logo um general de pijama pôs-se a falar. O general de pijama, em meio à polêmica sobre o possível uso de mandados difusos (abrangentes a ponto de não identificar as moradias a serem vasculhadas), sugeriu que juízes “sejam levados” para as operações das forças de segurança durante a intervenção no Rio de Janeiro. Na opinião do general de pijama, os magistrados deveriam estar presentes para conceder ou negar mandados de busca e apreensão individuais ou coletivos no terreno e durante a ação.

Depreendeu-se da entrevista do general de pijama o que Exército fez no Haiti com pretos e pobres, quando o Brasil teve a ousadia de prestar serviço sujo para as potências estrangeiras naquele país e a leviandade de se achar capaz de ocupar assento no Conselho de Segurança da ONU.

O general de pijama defendeu que o Judiciário dê respaldo a ações mais duras das forças de segurança, inclusive para que militares pudessem atirar para matar ao avistar suspeitos “da mesma forma como ocorria na missão da ONU”, disse.

Para concluir, o general de pijama falou que estava na hora do Judiciário se tomar de patriotismo e favorecer a ação de quem está “do lado da lei”.

O que o Brasil fez ao mandar tropas para o Haiti  foi reprimir pretos e pobres em condições de miserabilidade e treinar para atuação nas favelas brasileiras, reprimindo população com as mesmas características físicas, sociais, culturais e econômicas, ou seja, pretos, pobres, favelados e semialfabetizados. Os horrores praticados no Haiti, em “missão de paz” (Minustah), estão relatados em livros. Mas, a pior ocorrência foi o suicídio do General-de–divisão Urano Teixeira da Mata Barcelos, ante o sofrimento que vivenciava “no terreno e durante as ações”.

Contaminados por um tipo de visão do mundo, oriundo da sociologia estadunidense, que identifica a classe social a partir da renda, escolaridade e consumo, juízes – que se acreditam classe dominante – editaram nota se colocando à disposição das forças da lei, no contexto da intervenção, para colaborar com o sucesso do duro trabalho que será empreendido, disseram.

O que define o papel de classe de uma pessoa é o seu poder sobre os meios de produção, de onde decorre o seu poder político com o qual gerencia os seus interesses.

Juízes que se avaliam pela renda, escolaridade e consumo ignoram a real estatura de suas funções e deixam de se considerarem poder do Estado e se convertem em colaborados de agentes administrativos militares, ou seja, assumem posição subalterna demonstrando que “as garantias legais nem sempre podem suplantar as fraquezas humanas” (Leal, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto. 1948:158).

Há magistrados e membros do MP que ostentam em redes sociais posse de fuzis, que teriam sido empregados em treinamento, o que poderia (se não se tiver autorização para o emprego) expressar infração ao disposto no art. 16 da Lei 10.826 de 22/12/2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e sobre o Sistema Nacional de Armas/Sinarm. Desde 27/10/2017 a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (fuzis ostentados, por exemplo) é considerado crime hediondo. Mas, não se pode pensar que o approach de magistrados e membros do Ministério Público com o Exército, colocando-se à disposição para apoio, se destine a obtenção de autorização para brincar com tais armamentos. A grandeza que se exige da função de um magistrado é incompatível com tamanha pequenez.

O Brasil é o terceiro país com o maior número de encarcerados do mundo, seja em números absolutos ou proporcionais à população. Um movimento de combate à impunidade, se avaliasse o perfil de quem é preso, torturado, condenado, tem a casa revirada sem mandado ou com mandados difusos expedidos por juízes predispostos a enxergarem os pobres como cidadãos de segunda categoria, veria que o problema do Brasil é a seletividade do sistema de justiça; não a impunidade.

Todos ao longo da vida cometem algum tipo de crime. Seja o sapateiro que vende o sapato não procurado pelo cliente para se ressarcir do custo do conserto ou quem colhe uma flor numa reserva ambiental. A distinção está entre os que cometem crimes e os que são etiquetados como criminosos. Não houvesse seletividade no Sistema de Justiça, um magistrado que estivesse ao lado de um colega em treinamento com fuzil, sem autorização legal, lhe daria voz de prisão pela prática do crime hediondo.

O sistema penal de justiça no Brasil se converteu em tábua de salvação para os que querem manter o status quo e impedir reformas estruturais que possam, efetivamente, fazer justiça. Assim, o Direito Penal – concebido modernamente – como uma contenção do poder punitivo do Estado, se converteu em medida de contenção dos anseios dos pobres, povos periféricos, excluídos do acesso à justiça. Não há justiça social. A única justiça que os pobres alcançam é a justiça criminal; ou melhor, são alcançados por ela.

Mas, a seletividade que atinge os moradores de periferia também é capaz de atingir Juízes, quando se manifestam em prol dos excluídos. Os juízes que se manifestaram contra o impeachment suportaram representação visando a processo administrativo disciplinar; os que se manifestaram favoravelmente não foram incomodados, ainda que alguns tenham vestido a toga para manifestar apoio à quebra do sigilo telefônico da então Presidenta da República e outros tenham ido às manifestações pelo impeachment e depois decidido causas contra os que eram atingidos pelo golpe.

Juízes estão abdicando do seu papel de poder do Estado e se contentando com o padrão renda-escolaridade-consumo. Estão abdicando da parcela de poder lhes deferida pela ordem constitucional e se contentando com o consumismo que caracteriza os funcionários bem pagos do estamento burocrático do Estado. Daí o apego aos “penduricalhos” e ameaça de greve para manter o auxílio moradia (AMor), de flagrante inconstitucionalidade. Este e outros “penduricalhos” foram concedidos em substituição à revisão do subsídio que deveria ter sido feita anualmente, desde o ano de 2005, por índice geral, na mesma data e que, igualmente, atendesse aos interesses de todos os servidores públicos e aposentados do setor público.

Os tribunais, ao invés de exigir a revisão anual dos subsídios dos magistrados, com igual índice e na mesma data para todos os agentes públicos, preferiam o “jeitinho” de garantir a reposição apenas aos magistrados – por meio de “penduricalhos” - em contrariedade à Constituição que veda qualquer gratificação ou outra espécie remuneratória (art. 39, §  4º) e que revogou todos os dispositivos da LOMAN (LC 35/79) com ela incompatíveis.\

Se o Poder Judiciário de dispõe a ser colaborador ou auxiliar na execução de políticas públicas, quem haverá de dirimir os conflitos de interesses entre os executores de tais medidas e os cidadãos que tenham seus direitos atingidos?

Não se pode negar aos juízes o direito de manifestação do pensamento. E isto é também garantido constitucionalmente. Mas, a manifestação político-ideológica há de estar no campo abstrato. Se o juiz deseja se manifestar sobre caso concreto não pode ser censurado. Mas, estará de antemão se autodeclarando suspeito, por parcialidade, para julgar o caso concreto sobre o qual se manifestou.

Juízes que se manifestam sobre casos concretos e se colocam à disposição de uma das partes, oferecendo apoio, perdem a qualidade de julgadores isentos. E isto pode ser danoso à sociedade que demanda um judiciário independente e capaz de exercer seu papel como contrapoder em proveito de quem tenha direitos violados, por agentes do Estado, da classe ou de fragmento de classe que utilizam os serviços estatais para gerenciamento de seus interesses econômicos.

O Judiciário, na nossa ordem jurídico-constitucional, é poder independente e exerce parcela da soberania do Estado. Sua atribuição constitucional é incompatível com o papel de colaborador ou auxiliar na execução de políticas públicas. O papel do Poder Judiciário no Brasil é maior que o pretendido por aqueles que, sem visão institucional, o querem amesquinhar.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ACABOU O CARNAVAL


CORREIOS E MANDO LOCAL


A JUSTIÇA CONDENOU TIRADENTES


ADVOGADOS, REDAÇÃO JURÍDICA E EXCESSOS


POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA E REFORMA INSTITUCIONAL


MILÍCIA E FECOMÉRCIO


PRISÃO PROVISÓRIA DE PARLAMENTAR


Desde a diplomação, membros do Congresso Nacional não podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. E dentro de 24 horas a Casa para qual foram eleitos deve ser comunicada para que resolva sobre a prisão. Sem flagrante de crime inafiançável, parlamentares não podem ser presos. Mas podem ser denunciados e, se recebida a denúncia, a Casa a que pertençam pode sustar o andamento da ação. Não sendo sustado, o processo corre, e o deputado pode vir a ser preso pela sentença penal definitiva.
Aos deputados estaduais aplicam-se as mesmas regras sobre inviolabilidade e imunidades. Quem resolve sobre a prisão pode mantê-la ou revogá-la. Trata-se de garantia ao Parlamento, indispensável à sua existência, ao seu funcionamento e à própria democracia. Podemos não gostar. Mas é a Constituição, e devemos cumpri-la.
Desde que o senador Delcídio Amaral foi preso, por tagarelice, tem-se assistido a outras prisões provisórias de parlamentares. Todas à margem da Constituição. Somente a prisão do senador Delcídio foi homologada pelo Senado. Afinal, era um senador do PT. O Caso Aécio Neves, do PSDB, escancarou o que é seletividade judicial.
Para prisões cautelares de parlamentares tem-se confundido retoricamente, visando a afirmar estado de flagrância, crime continuado e crime permanente. Continuidade delitiva ocorre se alguém comete mais de um crime, do mesmo modo e em prazo razoável, capaz de fazer supor a continuidade entre eles. Mas no crime permanente a consumação se prolonga no tempo. Exemplo é o crime de sequestro, no qual enquanto dura o cativeiro dura o flagrante. Flagrante é a certeza visual do crime. Ocorre quando se está cometendo o crime, acaba de cometê-lo, é perseguido logo após ou quem é encontrado logo depois com objetos relacionados ao crime. O intervalo entre um crime e outro, no crime continuado, não caracteriza situação de flagrância.
Quando defendemos os direitos daqueles com os quais não nos afeiçoamos é que demonstramos nossa fidelidade aos princípios que dizemos ter e nosso grau de civilidade. A Constituição não permite prisão provisória de parlamentar e num Estado de Direito todos estão subordinados à Lei. A expansão do Poder Judiciário pode ser perigosa para as liberdades públicas. Juízes não são deuses nem demônios; são seres humanos sujeitos aos mesmos erros dos demais, se suas funções não forem limitadas e controladas.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 09/12/2017, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2017-12-09/joao-batista-damasceno-prisao-provisoria-de-parlamentar.html


PM E PRISÕES ADMINISTRATIVAS


sábado, 17 de fevereiro de 2018

NOTA SOBRE DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO FLUMINENSE COM INTERVENÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

NOTA SOBRE DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO FLUMINENSE COM INTERVENÇÃO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O site da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro/AMAERJ, em notícia postada nesta data, informa que o “Judiciário contribuirá com a intervenção federal na segurança, diz presidente do TJ-RJ”.

A matéria trás fotografias de encontro, ocorrido nesta data, do presidente do Tribunal de Justiça com o Presidente Michel Temer, com o general-interventor, com o ministro Moreira Franco, além de deputados e outros indivíduos não identificados.

Colaborar com políticas governamentais não é papel do judiciário, a quem compete dirimir conflitos de interesses, incluindo os conflitos entre os cidadãos e os agentes do Estado. Se o judiciário se coloca de antemão disposto a colaborar com uma das partes perde a capacidade de, imparcialmente, dirimir eventuais conflitos decorrentes de violações a deveres jurídicos praticados por uns ou outros.

O presidente do Tribunal de Justiça, no âmbito de suas atribuições e respeitadas as vedações legais, poderá prestar as contribuições que julgar necessárias a quem delas necessitar. Mas, neste sentido de colaborações, não fala por todos os magistrados que compõem o tribunal.

De minha parte informo que não prestarei qualquer contribuição a interventores, seus prepostos ou a quem quer que seja. Limitarei a desempenhar meu papel constitucional de dizer o Direito, cumprindo e fazendo cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício próprios da minha atividade de julgador.

Rio de Janeiro, 17 de fevereiro de 2018.

João Batista Damasceno
Magistrado estadual/TJRJ