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quarta-feira, 29 de abril de 2015
segunda-feira, 27 de abril de 2015
Entre o fuzil e a espada
“Policiais mandados para o
confronto também são vitimados e não têm opção a não ser executar a política
que lhes é ordenada. São vitimados quando mandados para o confronto bélico e
desumanizados e brutalizados na implementação de uma política que não respeita
a vida, ainda que alguns exercitem a violência por sadismo ou interesse. Os
grupos paraestatais de extermínio e extorsão são expressão da corrupção do
sistema e não existiriam sem o acobertamento de uma política que vilipendia os
direitos fundamentais da pessoa humana. Mas o policial no desempenho de uma
política oficial não pode ser responsabilizado sozinho. Afinal, é agente
público que deve executar ordens transmitidas. A responsabilidade penal é do
executor, mas quem planeja e ordena tem — no mínimo — responsabilidade
política. E os ideólogos que legitimam o extermínio têm as mãos sujas com o
sangue dos executados e igual responsabilidade”
A segurança pública que o estado vem implementando
e que o secretário Beltrame chamou em 2007 de “política de enfrentamento” se
traduz em política de extermínio de negros e pobres nas favelas. Não se trata
de política em favor da vida, mas de sua eliminação. Não há criança nas áreas
militarmente ocupadas que não receie ser alvejada.
Essa política transcende governos. Nunca o Estado
matou tanto. Em 1997, em plena ‘Gratificação Faroeste’, foram 300 autos de
resistência. Em 2008, foram 1.137; em 2009, 1,049; em 2010, 855; em 2011, 523,
e em 2012, 415. A diminuição a partir de 2010 é proporcional ao aumento dos desaparecidos,
como Amarildo.
Policiais mandados para o confronto também são
vitimados e não têm opção a não ser executar a política que lhes é ordenada.
São vitimados quando mandados para o confronto bélico e desumanizados e
brutalizados na implementação de uma política que não respeita a vida, ainda
que alguns exercitem a violência por sadismo ou interesse. Os grupos
paraestatais de extermínio e extorsão são expressão da corrupção do sistema e
não existiriam sem o acobertamento de uma política que vilipendia os direitos
fundamentais da pessoa humana. Mas o policial no desempenho de uma política
oficial não pode ser responsabilizado sozinho. Afinal, é agente público que
deve executar ordens transmitidas. A responsabilidade penal é do executor, mas
quem planeja e ordena tem — no mínimo — responsabilidade política. E os
ideólogos que legitimam o extermínio têm as mãos sujas com o sangue dos
executados e igual responsabilidade.
Pezão disse que o policial errou ao matar uma
criança no Alemão. Mas as mortes, inclusive de crianças, não são defeitos da
atuação policial; são efeito da política de ocupação militar. Além dos
policiólogos, ideólogos da pacificação pela execução, a política de extermínio
vem sendo legitimada por ONGs, pela especulação imobiliária e por setores da
mídia. Sentados da primeira fila do espetáculo da matança, recebem retribuição
por aplaudir. A sociologia policizada, que busca fundamento para legitimar a
ocupação, é tão afastada da realidade que pretende interpretar e explicar
quanto o eram as leis editadas pelos gorilas na ditadura-empresarial militar.
Coincidem no afastamento com a concretude da vida. A punição de policiais não é
a melhor política para reduzir a letalidade de um sistema alimentado por
interesses não explicitados republicanamente. O que está estragado não é o
vinho, é a garrafa.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 26/04/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-25/joao-batista-damasceno-entre-o-fuzil-e-a-espada.html
domingo, 26 de abril de 2015
A segurança pública que o estado vem implementando e que o secretário Beltrame chamou em 2007 de “política de enfrentamento” se traduz em política de extermínio de negros e pobres nas favelas. Não se trata de política em favor da vida, mas de sua eliminação. Não há criança nas áreas militarmente ocupadas que não receie ser alvejada.
Essa política transcende governos. Nunca o Estado matou tanto. Em 1997, em plena ‘Gratificação Faroeste’, foram 300 autos de resistência. Em 2008, foram 1.137; em 2009, 1,049; em 2010, 855; em 2011, 523, e em 2012, 415. A diminuição a partir de 2010 é proporcional ao aumento dos desaparecidos, como Amarildo.
Policiais mandados para o confronto também são vitimados e não têm opção a não ser executar a política que lhes é ordenada. São vitimados quando mandados para o confronto bélico e desumanizados e brutalizados na implementação de uma política que não respeita a vida, ainda que alguns exercitem a violência por sadismo ou interesse. Os grupos paraestatais de extermínio e extorsão são expressão da corrupção do sistema e não existiriam sem o acobertamento de uma política que vilipendia os direitos fundamentais da pessoa humana. Mas o policial no desempenho de uma política oficial não pode ser responsabilizado sozinho. Afinal, é agente público que deve executar ordens transmitidas. A responsabilidade penal é do executor, mas quem planeja e ordena tem — no mínimo — responsabilidade política. E os ideólogos que legitimam o extermínio têm as mãos sujas com o sangue dos executados e igual responsabilidade.
Pezão disse que o policial errou ao matar uma criança no Alemão. Mas as mortes, inclusive de crianças, não são defeitos da atuação policial; são efeito da política de ocupação militar. Além dos policiólogos, ideólogos da pacificação pela execução, a política de extermínio vem sendo legitimada por ONGs, pela especulação imobiliária e por setores da mídia. Sentados da primeira fila do espetáculo da matança, recebem retribuição por aplaudir. A sociologia policizada, que busca fundamento para legitimar a ocupação, é tão afastada da realidade que pretende interpretar e explicar quanto o eram as leis editadas pelos gorilas na ditadura-empresarial militar. Coincidem no afastamento com a concretude da vida. A punição de policiais não é a melhor política para reduzir a letalidade de um sistema alimentado por interesses não explicitados republicanamente. O que está estragado não é o vinho, é a garrafa.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 26/04/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-25/joao-batista-damasceno-entre-o-fuzil-e-a-espada.html
quarta-feira, 22 de abril de 2015
Desenforcamento de Tiradentes
O ‘desenforcamento’ de Tiradentes
pelo TJ será muito importante. É salutar que o próprio tribunal que o condenou
reconheça — ainda que decorridos 223 anos — que é capaz de errar. Isto
possibilita sua humanização em momento no qual encarcera ativistas e contribui
para que o Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo,
proporcionalmente à população. E, em momento no qual uns poucos desembargadores
‘apegados à arte de servir’ querem permanecer no cargo até os 75 anos, com base
em ato estadual, quando a Constituição impõe o limite para o exercício do poder
até os 70 anos.
O Tribunal de Justiça do Rio realizará júri
simulado para julgar Tiradentes na terça-feira, sugestão do professor Joel
Rufino, diretor de Comunicação e Difusão do Conhecimento do TJ. Em seguida,
representando o alferes, o ator Milton Gonçalves, encenando peça, seguirá o
trajeto feito pelo mártir. Sairá da Alerj, onde ficava a cadeia pública,
seguirá pela Rua da Assembleia, cruzará a Rio Branco — que não existia na época
—, passará pela Rua da Carioca e na Praça Tiradentes deverá dobrar à direita e
seguir pela contramão na Avenida Passos até onde era o Campo de São Domingos,
próximo ao Detran. Tiradentes rezou à porta da Igreja da Lampadosa, mas os
positivistas proclamadores da República subtraíram parte do trajeto a fim de
ocultar sua religiosidade e — falsamente — se registra que foi enforcado no
Rocio, atual Praça Tiradentes.
A sentença de morte incluiu açoitamento e
esquartejamento depois de morto, derrubada de sua casa e salgamento do terreno
para que nem mato crescesse. A condenação foi feita por desembargadores do
Tribunal da Relação do Rio, instalado em 1752, depois Tribunal de Suplicação, e
hoje Tribunal de Justiça do Rio. O alferes era um mestiço. Hoje se designaria
por afrodescendente, tais como o são os praças mandados para o enfrentamento e
morte na política de extermínio de outros afrodescendentes pobres das favelas.
Recebeu a pena mais grave dentre os condenados.
Mas o inusitado do julgamento de Tiradentes é que
tudo começou com a delação premiada de Joaquim Silvério dos Reis, instituto que
o juiz Sérgio Moro tem restabelecido no atacado, e seu julgamento foi feito por
desembargadores com investidura irregular. Silvério reclamou benefícios da
Coroa pela sua fidelidade ao Rei, e alguns poucos desembargadores requereram
suas efetivações no tribunal para evitar a nulidade das sentenças proferidas. A
Conjuração Mineira foi em 1789, e a execução de Tiradentes, em 1792.
O ‘desenforcamento’ de Tiradentes pelo TJ será
muito importante. É salutar que o próprio tribunal que o condenou reconheça —
ainda que decorridos 223 anos — que é capaz de errar. Isto possibilita sua
humanização em momento no qual encarcera ativistas e contribui para que o
Brasil tenha a terceira maior população carcerária do mundo, proporcionalmente
à população. E, em momento no qual uns poucos desembargadores ‘apegados à arte
de servir’ querem permanecer no cargo até os 75 anos, com base em ato estadual,
quando a Constituição impõe o limite para o exercício do poder até os 70 anos.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
19/04/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-19/joao-batista-damasceno-desenforcando-tiradentes.html
quarta-feira, 15 de abril de 2015
Valor da vida na favela
“Assombrou-nos a foto de uma
menina na Síria que confundiu a máquina de um fotógrafo com uma arma e levantou
os braços. Mas naturalizamos o terror das crianças nas favelas quando avistam
quem as deveria proteger. Quando em 2007 intensificaram-se as execuções pelas
forças do Estado, depois de declaração do governador do Rio de que o ventre das
mulheres faveladas era fábrica de reposição de mão de obra para o tráfico,
artistas e intelectuais lançaram manifesto contra a política de extermínio. O
secretário Beltrame declarou que o manifesto era míope, e foi iniciada a
política de ocupação militar das favelas”.
Valor não é característica própria de nenhum bem
material ou imaterial; é atribuição por um sujeito. Valor é qualidade de não
indiferença. Maior a indiferença, menor o valor. Dizemos que a vida não tem
preço, tamanho o seu valor. E todas as vidas devem se equivaler. Mas as mortes
de Thomaz Alckmin, filho do governador de São Paulo, e do menino Eduardo de
Jesus Ferreira, no mesmo dia, tiveram tratamentos diferentes, apesar da
gravidade institucional causadora da morte do garoto.
Eduardo de Jesus tinha 10 anos e foi assassinado
por um tiro de fuzil numa comunidade ‘pacificada’. Thomaz, filho da elite
paulista, tinha 31 e morreu num acidente de helicóptero. São Paulo é a cidade
com a maior frota de helicópteros do mundo, e a probabilidade de acidentes é
proporcional. É contrário à natureza que os pais sepultem os filhos. O governador
de São Paulo merece toda solidariedade. Mas a lamentável perda de seu filho
decorreu de risco assumido. O mesmo não aconteceu com o menino Jesus, morto na
Semana Santa. Pela morte da criança negra e pobre não houve comoção midiática
ou manifestação pesarosa dos governantes. A presidenta Dilma lamentou
oficialmente o acidente com Thomaz, mas se limitou a palavras vagas sobre
Jesus, dizendo apenas que espera que os culpados sejam responsabilizados, sem
manifestação sobre o modelo de política genocida que apoia.
Assombrou-nos a foto de uma menina na Síria que
confundiu a máquina de um fotógrafo com uma arma e levantou os braços. Mas
naturalizamos o terror das crianças nas favelas quando avistam quem as deveria
proteger. Quando em 2007 intensificaram-se as execuções pelas forças do Estado,
depois de declaração do governador do Rio de que o ventre das mulheres
faveladas era fábrica de reposição de mão de obra para o tráfico, artistas e
intelectuais lançaram manifesto contra a política de extermínio. O secretário
Beltrame declarou que o manifesto era míope, e foi iniciada a política de
ocupação militar das favelas.
A indiferença e a perversidade grassam sobre os
pobres. Para justificar o assassinato de Jesus, montagem de foto de criança com
arma foi divulgada nas redes sociais. Com cinismo, autoridades disseram que o
Alemão será reocupado militarmente. E o sinal foi dado para que domicílios
voltassem a ser violados, e portas, arrombadas. Sem educação pública de
qualidade, a pedagogia do Estado é a do caveirão e do medo, da opressão que
ensina a submissão ao Estado Policial, sob pena de execução; do pezão na porta
do barraco.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 12/04/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-11/joao-batista-damasceno-valor-da-vida-na-favela.html
segunda-feira, 6 de abril de 2015
Terrorismo no Brasil
“A ordem que se pretende
construir é a dos cemitérios, com suas rígidas disposições de jazigos. Mas a
sociedade é viva e precisa da liberdade para se reinventar. A paz que se
pretende construir é a paz das cidades aquietadas pelo medo e prestes a serem
saqueadas. A ordem a que se almeja é a que assegure a desordem da exclusão, do
genocídio, da violação aos direitos humanos, da militarização da vida a partir
da pedagogia do medo que nos tem ensinado a nos curvar ao primeiro agente
armado do Estado que apareça. O terrorismo com o qual havemos de nos preocupar
é o terrorismo do Estado e das políticas liberticidas que massacram o povo”.
O projeto de lei que criminaliza o terrorismo no
Brasil é caso raro no qual se pretende punir um fato inexistente. Terrorismo é
o uso de força física ou psicológica e ataques a pessoas ou instalações de um
governo ou da parcela da população que o apoia para causar medo. No mundo, é
prática de grupos minoritários que não dispõem de força política para lutar
abertamente — notadamente em regimes fechados que não reconhecem os opositores
como legítimos e os criminalizam. A prática é clandestina e incompatível com a
democracia pluralista que a todos assegura possibilidade de manifestação.
A história do Brasil se fez com a resistência
popular, com a conciliação entre a classe dominante para aplacar demandas
sociais, mas sobretudo pela derrota da radicalidade. A construção social do
país, as relações sociais e o processo político cuidaram de impedir a
florescência de extremados. No máximo vivenciamos alguma veemência na
reivindicação de demandas negligenciadas. O terrorismo que se praticou no
Brasil foi o de Estado, a partir da Operação Condor, atuação conjunta com
países do Cone Sul quando da ditadura empresarial-militar.
O que a Lei do Terrorismo pretende é a
criminalização dos movimentos sociais em momento de supressão dos direitos dos
trabalhadores. O crime de terrorismo previsto no projeto poderá encarcerar
qualquer um considerado risco à estabilidade institucional. O projeto descreve
como terrorista a prática de ato que seja interpretado como perigo à vida
alheia, à integridade corporal ou à liberdade de locomoção. Basta ser
considerado causador de risco! O projeto considera organização terrorista
qualquer grupo de duas ou mais pessoas que possa prejudicar a tranquilidade ou
a ordem pública. Trabalhadores em suas manifestações poderão ser considerados
terroristas.
A ordem que se pretende construir é a dos
cemitérios, com suas rígidas disposições de jazigos. Mas a sociedade é viva e
precisa da liberdade para se reinventar. A paz que se pretende construir é a
paz das cidades aquietadas pelo medo e prestes a serem saqueadas. A ordem a que
se almeja é a que assegure a desordem da exclusão, do genocídio, da violação
aos direitos humanos, da militarização da vida a partir da pedagogia do medo
que nos tem ensinado a nos curvar ao primeiro agente armado do Estado que
apareça. O terrorismo com o qual havemos de nos preocupar é o terrorismo do
Estado e das políticas liberticidas que massacram o povo.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
05/04/2010, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-04/joao-batista-damasceno-terrorismo-no-brasil.html
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