No dia 01 de abril rememoramos os 61 anos da ditadura
empresarial-militar que subordinou os interesses do povo brasileiro ao capital
internacional, reservando-nos o papel de fornecedores de recursos naturais para
os países centrais do capitalismo. Os militares foram usados e bem remunerados
para impedir nosso desenvolvimento autônomo. Desde o golpe da Proclamação da
República os militares se portam como tutores do Estado e da sociedade.
Anistias não os domesticam. Após tentativas de golpe no ex-presidente JK, os
anistiados reincidiam. Relembrados de suas lambanças sugeriam não mexer com
feridas em cicatrização. O que sangra é a sociedade e suas instituições
democráticas por ação de gorilas. Por isso não se pode renunciar à memória, à
verdade e à justiça.
Aqueles que atentavam contra a democracia ao tempo de JK também o
fizeram com o ex-presidente Jango, desde que fora ministro do trabalho. Jango,
conciliador, depois do manifesto dos coronéis em 1954, entregou um filho, para
batismo, ao general Amaury Kruel. Este, traidor, não se vexou de colocar o II
Exército em prol da destituição do compadre em 1964.
As trevas que se estenderam sobre o país em 1964, acentuada com o AI-5 e
durante a Administração Médici, foram debeladas pela sociedade na medida em que
se reorganizou. Durante a Assembleia Nacional Constituinte o que mais se ouvia
era que os militares não aceitariam isto ou aquilo. Elaborada a Constituição,
os constituintes partidários do presidente Lula não a assinaram. O presidente
ainda não se dispusera ao papel de gerente da ordem iníqua e dizia não negociar
com princípios, submeter-se a conjunturas e limitar-se tão somente ao possível.
Posteriormente mudou e lhe pavimentaram o caminho para o Palácio do Planalto.
Mas a presidenta Dilma teve a ousadia de criar e instalar a Comissão
Nacional da Verdade (CNV) gerando sua incompatibilidade com as vozes contidas
na escuridão dos porões dos quartéis. Após a destituição da presidenta,
buscou-se aprofundar o golpe. A intervenção federal no Rio de Janeiro, em 18 de
janeiro de 2018, com designação do general Braga Neto para interventor, foi o
passo seguinte. A intervenção federal teve motivação nacional e foi pensada
pelo então Presidente da República com apoio do presidente da Câmara dos
Deputados e cúpula das instituições nacionais.
O que estava em jogo era a saída da crise política causada pela Operação
Lava Jato que deixou as instituições desnudadas e mostrou à sociedade como os
donos do poder usam as instituições para manutenção dos seus negócios,
colocando os mandatários a seus serviços. A Operação Lava Jato se ampliara para
além do tolerável pela classe dominante.
Em razão da CNV, os militares não só se incompatibilizaram com a
presidenta Dilma, mas também com o presidente Lula e seu partido. Desde 2016 o
general Mourão discursava contra as eleições em 2018. E por isso foi mandado
para a reserva. Dizia ele que a saída da crise era a volta ao regime de 1964.
Em 2018 acreditava-se que uma intervenção piloto no Rio de Janeiro, para servir
de alerta aos demais estados, e a prisão do presidente Lula, com impedimento de
sua participação nas eleições daquele ano, poderia ser a pavimentação do
caminho para o retrocesso que desejavam.
O movimento que atentou contra o Estado de Direito, a democracia e suas
instituições atingiu seu apogeu em 08 de janeiro de 2023. Mas começou a se
estruturar bem antes. Os palermas nas portas dos quartéis do Exército eram
apenas instrumentos de um projeto político gestado no seu interior. E por isso
recebiam apoio da caserna: acampavam em área militar, sem serem incomodados, e
tinham fornecimento de água, luz e banheiro fornecidos pelos comandantes.
A intervenção no Rio de Janeiro em 2018 parecia ser uma questão local
fluminense, mas era um projeto piloto acenando o que poderia ocorrer em todo o
país, conforme discurso do interventor Braga Neto. O impeachment da presidenta
Dilma, a prisão do presidente Lula, a intervenção no Rio de Janeiro, o atentado
à Marielle no 24º dia de sua implementação e a tentativa de golpe de 8 de
janeiro são desdobramentos da mesma articulação contra a democracia e o Estado
de Direito. E não foi coisa de militares isolados. Tratou-se de uma proposta do
Exército Brasileiro, encampada por setores retrógrados da sociedade.
A intervenção de 2018 era foi projeto para impedimento das eleições de
2018, se o presidente Lula pudesse concorrer e vencê-las, o que ocorreria; foi
um ensaio para a saída da crise política e garantia das eleições de 2018, com o
afastamento do presidente Lula da disputa. Sem o presidente Lula na disputa
podia ocorrer eleições. Daí a inclusão em pauta de julgamento do habeas corpus
do presidente antes do julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade nº
43, 44 e 54 tratando da prisão antes do trânsito em julgado. Julgou-se o caso
concreto e encarcerou-se o presidente antes do estabelecimento da regra,
restabelecida posteriormente às eleições e colocado em liberdade.
Quem mandou matar Marielle, tal como os que colocaram bombas pela
cidade, inclusive no Riocentro, desejavam interceptar o processo democrático.
Sua execução visava a criar o caos e favorecer o aprofundamento da repressão e
suspensão das garantias constitucionais. Mas tal como no Caso Riocentro não foi
coisa pessoal. No dia 08 de janeiro o Ministro da Defesa alegou que os
militares que participaram do atentado à democracia o fizeram com seus
respectivos CPFs e não envolvia o CNPJ da instituição. Nada do que se descreve
foi coisa de militares individualizados. Houve apoio institucional. É preciso
rememorar que o chefe de polícia nomeado pela intervenção era um delegado de
política oriundo das Forças Armadas, condição que lhe conferia a confiança
necessária para aquele projeto, em razão do qual está preso.
Muito já foi esclarecido sobre o impeachment da presidenta Dilma, da
prisão do presidente Lula e da execução da vereadora Marielle Franco. Resta
apurar e publicizar as reais motivações para a execução da saudosa amiga e
vereadora carioca.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 05/04/2025. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/04/7033006-joao-batista-damasceno-ponte-para-o-passado.html