sábado, 27 de março de 2021

Mais de 300 mil mortos: Brasil de luto

A nossa bandeira jamais será vermelha”, bradavam alguns em recente tempo passado, como se ainda vivêssemos na Guerra Fria. As cores de nossa bandeira foram resignificadas com a proclamação da República em 1889. No Império, o amarelo era símbolo da Casa de Habsburgo, origem da imperatriz Leopoldina, e o verde a cor da Casa de Bragança, dinastia a que pertencia D. Pedro II. Os que bradavam o lema contra o vermelho apenas não sabiam que ele, na bandeira de diversos países, expressa o sangue derramado nas lutas pela construção dos direitos dos respectivos povos.

Várias bandeiras de estados federados brasileiros ostentam o vermelho em homenagem aos que tombaram em luta pela construção dos direitos individuais, sociais e pelas liberdades públicas. Ninguém jamais pretendeu alterar as cores da nossa bandeira. Mesmo a primeira bandeira republicana, que tinha o formato listrado da dos Estados Unidos, era verde e amarela.

Mas, no presente momento talvez devêssemos colocar uma tarja preta na bandeira brasileira ou, mantidas as formas geométricas que a compõe, ser totalmente exposta na cor preta. Seria um gesto de humanidade, solidariedade e luto pelas mais de 300 mil vidas que foram ceifadas em decorrência das calamitosas opções governamentais durante a pandemia do coronavírus que nos assola.

Não foi falta de aviso. Cientistas, infectologistas e outros profissionais competentes nos indicaram os caminhos a seguir. Mas, houve opção política pela cloroquina, ivermectina, azitromicina e por um general no lugar de um profissional da área de Saúde. A insanidade que norteou as opções foi perversa, embora disfarçada de crendice. Optou-se por um tipo de imunização com sacrifício de vidas humanas.

Dentre os principais meios de imunização estão a vacinação e a contaminação em massa. O método da imunização do rebanho pela contaminação implica em deixar um vírus circular livremente para que, rapidamente, o maior número de pessoas se infecte e os que sobreviverem estejam imunizados. Trata-se de um método desumano, pois implica no sacrifício dos mais vulneráveis. O outro método científico, humano, solidário e fraterno implica na preservação das pessoas até que se obtenham vacinas e todos possam, vacinados, voltar à vida social.

O governo brasileiro optou pela imunização do rebanho pela contaminação, ainda que tal processo implicasse a perda da vida dos idosos e das pessoas com comorbidades. A imprensa noticiou que uma diretora da Susep teria saudado este método, pois aliviaria o déficit das contas da Previdência Social. Outros apontaram que a desejada morte de pessoas com comorbidades aliviaria as despesas do SUS.

É desumano o que fazem com o povo brasileiro. Nossa história registra similar descaso com a vida humana. Em 1918, sofremos um surto da gripe espanhola, originária dos Estados Unidos. Em razão da primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, o mundo perdeu dez milhões de vidas. Mas, em 1918, em poucos meses, morreram 50 milhões de pessoas em decorrência da gripe espanhola.

No Brasil, um dos mortos foi o presidente eleito Rodrigues Alves. Em seu lugar assumiu o vice Delfim Moreira. Mas, por incapacidade mental e impossibilidade de gerir a crise, foi impedido de continuar a presidência. Seu governo durou apenas nove meses. Mas, foi tempo suficiente para possibilitar a difusão da pandemia. Com explicações místicas e negacionistas, incentivou o Carnaval de 1919, promovendo segunda onda da pandemia. O presidente Rodrigues Alves, que governara o Brasil de 1902 a 1906 acreditava na Ciência e em 1904 autorizou Oswaldo Cruz a promover campanha de vacinação, o que levou oportunistas e negacionaistas a incentivarem o povo a uma rebelião conhecida como a Revolta da Vacina.

O governo ignorou, em agosto de 2020, oferta da Pfizer de 70 milhões de doses de vacina para entrega em dezembro. Igualmente ignorou ofícios do Instituto Butantan, de julho, ofertando 60 milhões de doses ainda em 2020 e 100 milhões para 2021. Mais de 300 mil de vidas já se foram. Outras milhares de vidas ainda poderão ser sacrificadas. Uma CPI que apure tais ocorrências poderá levar os responsáveis ao Tribunal Penal Internacional, por crime contra a humanidade. Estamos de luto! E precisamos exigir responsabilização!


Publicado  originariamente no jornal O DIA, em 27/04/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/03/6113322-joao-batista-damasceno-mais-de-300-mil-mortos-brasil-de-luto.html

sábado, 13 de março de 2021

"Vão ficar chorando até quando?"


As instituições justificam-se como referência de ordem e redutoras das incertezas e inseguranças do futuro. Quando a sociedade reclama do custo da manutenção de algumas instituições o faz por não perceber ou nãovisualizar a importância de suas existências. As inseguranças e incertezas que não desejamos para o futuro permeiam o presente e demonstram as fragilidades institucionais e o quanto os que são encarregados da implementação de políticas públicas estão deixando a desejar.

Em meio à pandemia provocada pelo coronavírus sentimo-nos a deriva. A princípio, as autoridades federais disseram tratar-se de uma "gripezinha" e que se poderia fazer tratamento precoce com remédios que indevidamente receitavam, sem qualquer comprovação de sua eficácia. Ao contrário, com danosos efeitos colaterais comprovados.

O Brasil tem a sexta maior população do mundo. Mas é o primeiro em mortes por covid. A China e a Índia têm seis vezes mais gente, seguidos pelos EUA, que têm quase o dobro, a Indonésia e o Paquistão. Quase empatamos com a população da Nigéria, país africano com nossas características. Todos têm menos mortes diárias que o Brasil.

A pandemia foi tratada com descaso e os discursos oficiais, desde o registro do primeiro caso, são os mais estapafúrdios. Em junho passado o ministro da Saúde disse que o Norte e Nordeste representam o Hemisfério Norte, sofreram mais com a chegada do inverno e que haviam passado por sua pior fase. Mas, a crise se agravou e no verão pessoas morreram no Amazonas, por falta de oxigênio, cujo transporte não foi providenciado pelo Ministro da Saúde, nomeado em razão de sua suposta capacidade logística.

É um descalabro o que estamos vivenciando. Em agosto de 2020 a Pfizer ofertou ao governo brasileiro 70 milhões de doses de vacina para entrega em dezembro. O governo não respondeu à proposta que lhe fora feita. Em outubro o ministro Pazuello assinou protocolo para aquisição de 46 milhões de doses de vacina da China, mas o presidente o desautorizou e declarou que não a iria comprar e que quem a tomasse viraria jacaré. Os ofícios do Instituto Butantan de julho, agosto e outubro de 2020, ofertando vacina, foram ignorados pelo ministro da Saúde.

Somente a aquisição de vacinas pelo Estado de São Paulo levou o governo federal a se mexer e pretender adquirir antecipadamente da Índia. Mas, as autoridades indianas impediram a ação midiática. O governo insiste em suas fake news. Enquanto Israel já vacinou quase toda a sua população uma missão foi enviada aquele país, à custa do erário, para avaliar um estudo de spray. Brincam com a vida humana. Desprezam a vida dos vulneráveis.

Cloroquina, remédio para verme e aplicação de ozônio era o que se ofertava enquanto se debochava dos que morriam. “É uma gripezinha”, “Todos vamos morrer um dia”, “E daí?”, “Não sou coveiro”, “Vacina? Eu não vou tomar. Se você tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso”. Estas foram as pérolas contidas nas manifestações do chefe da administração federal. Com o atingimento de duas mil mortes diárias o presidente ainda declarou: “Chega de mimimi. Vão ficar chorando até quando?”.

A mãe ou pai que perde um filho chorará a vida toda. Um filho que perde um dos pais, também. Foi preciso que a justiça proferisse decisão retomando o rumo da legalidade para que o presidente cessasse suas aleivosias e aparecesse usando máscara e um dos zeros declarasse apoio à vacinação.

A ideia, desde o começo era provocar a imunização do rebanho, com sacrifício da vida dos idosos e pessoas com comorbidades. Estes desonerariam o SUS, aqueles a Previdência. O Conselho Federal de Medicina participou do descalabro, autorizando remédios de eficácia não comprovada. Mas, não se trata de genocídio. Genocídio é extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. Não é o caso. Mas, sem dúvida estamos diante de crime contra a humanidade. E os autores, por ação ou omissão, estão sujeitos ao Tribunal Penal Internacional.

 

Publicado originariamente em 13/03/2021 no jornal O DIA. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/03/6102933-joao-batista-damasceno-vao-ficar-chorando-ate-quando.html