sábado, 6 de novembro de 2021

Nelson Rodrigues e seu tempo


O dramaturgo Nelson Rodrigues nasceu em Recife em 1912. Aos 4 anos veio para o Rio de Janeiro e aos 6 sobreviveu à gripe espanhola. Aos 17, em 1929, conheceu o sentido trágico da vida, título de obra de um dos mais renomados intelectuais da época, Miguel de Unamuno. De formação conservadora, presenciou o assassinato de seu irmão Roberto Rodrigues, na redação do jornal Crítica, do seu pai Mário Rodrigues.

Por causa de uma matéria sensacionalista tratando do divórcio da escritora Sylvia Serafim Thibau e do médico Dr. João Thibau, filho de um dos auxiliares de Oswaldo Cruz no Instituto de Manguinhos, intitulada “Um rumoroso caso de desquite”, a militante pelo sufrágio feminino foi à redação do jornal a procura de Mário Rodrigues. Ante sua ausência declarou que fora até a redação para matar Mário Rodrigues ou quaisquer de seus filhos. Assim, sacou uma arma e matou Roberto Rodrigues na frente do irmão adolescente.

Poucos meses após a morte do irmão, o pai Mário Rodrigues teve um AVC e também morreu, deixando a família sem meios de sustento. Mário Rodrigues Filho, que jogava sinuca com o jovem Roberto Marinho foi trabalhar no jornal O Globo, recém fundado, e criou a crônica esportiva. Foi também Mário Rodrigues Filho quem organizou o primeiro desfile de escolas de samba, sob o patrocínio do jornal onde trabalhava. Mais tarde fundou o Jornal dos Sports. Mário Filho dá merecido nome ao Maracanã.

A Crítica, jornal do pai de Nelson Rodrigues, era financiado pelo vice-presidente da República, Melo Vianna, um jurista mineiro negro que, depois de ter sido juiz de direito em Carangola/MG, ingressou na política, foi governador de Minas Gerais e no rodízio da República do Café com Leite foi vice-presidente de Washington Luiz, deposto pela Revolução de 1930. Mas, retornou ao cenário político como presidente da Assembleia
Nacional Constituinte de 1946.

O período revolucionário de 1930 foi trágico para a família de Nelson Rodrigues. Dois membros da família faleceram de forma assombrosa, os revolucionários agitaram o país e denunciaram o conservadorismo do jornal Crítica, as mulheres em suas campanhas pelo direito ao voto saíram em defesa da homicida, com o apoio de parcelada imprensa comprometida com a Aliança Liberal, as sufragistas apoiaram Sylvia Serafim, pois matara em defesa da honra atingida por um artigo de jornal. Em outubro de 1930, os revolucionários venceram e o jornal Crítica foi empastelado e incendiado. Para concluir, Sylvia Thibau foi absolvida, sob os aplausos da sociedade.

Tais ocorrências acentuaram o horror de Nelson Rodrigues pelo clamor popular. Os jovens tenentes, promovidos a capitães, tinham uma concepção de política e de organização social sob a direção das elites institucionais, com discursos moralistas. Nelson Rodrigues relatava a hipocrisia da lisura aparente e a devassidão na vida privada. Conservadoramente, denunciava a moral burguesa.

Num só ato Nelson Rodrigues conheceu a tragédia, retratada na morte do irmão, o acaso, pois poderia ter sido o alvo do disparo, e o cinismo, concepção filosófica para a qual a busca da felicidade consiste em permanecer alheio às dores do mundo e indiferente aos que sofrem. Mas, o mundo que precisamos construir demanda compaixão mediante compartilhamento do sentimento alheio.

A vida da grande escritora Sylvia Thibau também não foi fácil. Poucos anos depois se suicidou. Sua obra hoje não é lida. A leitura destes autores, contextualizados em seus momentos históricos, é uma reparação que se pode fazer para compreender as grandezas e agruras da vida e resgate de suas faces humanas. 


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 06/11/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/11/6269532-joao-batista-damasceno-nelson-rodrigues-e-seu-tempo.html