segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Hostilidade à Venezuela é crime de responsabilidade

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Ao estabelecer relação com os EUA e aceitar uma ação hostil à Venezuela, a pretexto de prestar ajuda humanitária, o presidente Jair Bolsonaro violou o disposto no art. 5º, 3 da lei 1079/50, Lei do Impeachment.

Diz a lei que “são crimes de responsabilidade contra a existência política da União cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade”. 

Ao estabelecer relação com os EUA e aceitar uma ação hostil à Venezuela, a pretexto de prestar ajuda humanitária, o presidente Jair Bolsonaro violou o disposto no art. 5º, 3 da lei 1079/50, Lei do Impeachment

O presidente violou a Constituição que dispõe em seu art. 4º que “a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: III -autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; e VII - solução pacífica dos conflitos”

Inegável que houve a prática de hostilidade a um Estado soberano e atentado à legitimidade de seu governo

O Brasil somente não invadiu a Venezuela, a pretexto de prestar ajuda humanitária, em razão do bom senso dos militares que se opuseram a um conflito no continente para satisfazer a sede de petróleo dos EUA

Está caracterizado o crime de responsabilidade do presidente da República e qualquer cidadão pode denunciar o presidente perante a Câmara dos Deputados

Diz o art. 14 da lei 1079/50: “É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados”

Será que a deputada Janaína Paschoal terá disposição de fazê-lo?

sábado, 16 de fevereiro de 2019

A boa polícia

A incursão da PM no Morro do Fallet causou 15 mortes. Há dúvida se houve efetivo confronto e exercício de legítima defesa. Mães e vizinhos não negam que alguns dos mortos empreendiam comércio varejista de drogas. Mas, falam em torturas antes das execuções, bem como morte por faca. Causa estranheza um confronto com 15 mortos e nenhum policial sequer ferido. Os precedentes da polícia em diversas outras ocorrências é o fundamento da dúvida.

Mas não foi o BOPE. Justiça seja feita. Foi o BPChq, comandado pelo tenente-coronel André Batista.Depois de comandar o 9° BPM de Rocha Miranda, o tenente-coronel Batista assumiu o comando doBPChq. Trata-se de policial da elite da tropa, com curriculum premiado. Ele foi o negociador do sequestro do ônibus 174, onde morreram a professora Geiza Gonçalves e o assaltante Sandro Barbosa. Além disto, é co-autor do livro Elite da Tropa em parceria com Rodrigo Pimentel e o sociólogo Luiz Eduardo Soares. O personagem André Matias no filme Tropa de Elite, teria sido inspirado nele. Foi um dos assessores do sociólogo, em secretaria municipal de Nova Iguaçu, na gestão do então prefeito Lindberg Farias.


Mas, a polícia não deve ser sozinha responsabilizada por suas violências. Os que pensam para ela e lhes formulam as justificações são igualmente responsáveis. A polícia violenta, mas incorruptível, retratada no filme Tropa de Elite 1, decorre de uma concepção da “boa polícia” da qual falam o sociólogo Luiz Eduardo Soares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ e o antropólogo Roberto Kant de Lima da Universidade Federal Fluminense/UFF, onde criou curso de Segurança Pública. Em suas formulações, a “boa polícia” há de ser incorruptível, mas pode ser violenta. Em suas opiniões, corrupção é uma opção; é um desvio pessoal. Mas, a violência é um desígnio inevitável da atuação policial


Não se pode negar o direito à legítima defesa. É a defesa da própria vida em detrimento da vida ou incolumidade física de um agressor injusto. Mas, não se pode incentivar a escalada da violência. O Estado brasileiro já sofreu condenações da Corte Interamericana de Direitos Humanos por suas violações em chacinas. As condenações na CIDH não têm surtido efeito. Ela julga Estados. Igualmente não têm sido eficazes os mecanismos nacionais de controle da violência do Estado. Resta apelar para o Tribunal Penal Internacional. O TPI julga indivíduos por crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e crimes de agressão. Se é guerra, que sejam os autores e partícipes submetidos à Convenção de Genebra. Se não, e não é, sejam julgados por eventuais crimes contra a humanidade, assim considerados os massacres, a desumanização, os extermínios e as execuções. Em tal caso, tanto pode responder os que executam, quanto toda a cadeia de comando que de qualquer forma concorre para os crimes, inclusive quem incentiva execuções ou faz apologia propondo snipers para “mirar nas cabecinhas”.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 16/02/2019, pag. 10.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O perigo das milícas

Milícias são grupos atuantes à margem da lei, mas não do Estado. São agentes públicos ou particulares a estes vinculados no exercício de suas próprias razões e em atendimento aos próprios interesses. Potentados locais, no Brasil Colônia, Império e República Velha - senhores de engenho e cafeicultores – tinham as suas milícias. O regente Feijó recenseou as milícias, deu-lhes organização e as chamou de ‘Guarda Nacional’. De acordo com o número de comandados o potentado rural era nomeado de tenente a coronel.
As atuais milícias remontam ao primeiro grupo de homens autorizados a matar, formado em 1958. Em maio de 1957, Juscelino Kubitschek nomeou Amauri Kruel para chefe do Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), órgão que antecedeu o Departamento de Polícia Federal (DPF). No ano seguinte Kruel viajou a Washington, em companhia do coronel Danilo Nunes, chefe do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), entrevistando-se com o presidente estadunidense Dwight Eisenhower.
Um chefe de departamento de polícia no Brasil foi recebido pelo presidente dos Estados Unidos. Na volta, Kruel promoveu campanhas contra a criminalidade e montou um grupo de homens autorizados a matar. Este grupo, com alguns acréscimos, foi condecorado por Carlos Lacerda como ‘Os 11 homens de ouro da polícia’. Em 1959, após uma discussão com o deputado federal udenista Meneses Cortes, membro da CPI instituída para apurar atos de extorsão, execuções e corrupção no DFSP, Kruel agrediu fisicamente o parlamentar e por isto foi exonerado.
Hoje seria homenageado por parlamentares que apoiam a truculência e a extorsão. Marielle Franco e Marcelo Freixo não foram os primeiros parlamentares a enfrentar milícias. Com o golpe empresarial-militar de 1964 sucederam-se outros grupos paramilitares visando à perseguição aos inimigos do regime: comunistas, humanistas, nacionalistas e líderes populares. Tais grupos passaram a ser chamados de “Esquadrões da morte”.
Com a redemocratização e descentralização política, os ‘matadores’ se constituíram como líderes políticos locais. Muitos se elegeram para cargos públicos ou ocuparam cargos de livre nomeação. Os ‘Esquadrões da morte’ passaram a ser chamados de ‘Mão branca’, depois ‘Grupos de extermínio’ e, agora, ‘Milícias’.
Com as peculiaridades de cada local e de cada tipo de atividade desenvolvida, esses grupos têm em comum o fato de serem aliados ou pertencentes aos quadros do Estado, atuarem com violência ilegítima e enriquecerem com extorsões ou negócios ilícitos. Suas presenças em todos os poderes são danosas às instituições. Em 2013, por haver pendurado um quadro do cartunista Carlos Latuff em minha sala de audiências, pude vivenciar a extensão dos tentáculos de tais grupos no seio dos três poderes do Estado.
A atuação de tais grupos contra defensores de Direitos Humanos, da democracia e da justiça social leva à preocupação com segurança, que todo defensor da dignidade da pessoa humana deve passar a ter. A ampliação do poder e dos seus campos de atuação propicia riscos pessoais, mas também à própria democracia.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 02/02/2019, pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/02/5617105-joao-batista-damasceno--o-perigo-das-milicias.html