“No presente momento, o mundo
vive entre optar pelo retorno à barbárie ou continuar tentando construir-se
como lugar de afirmação dos valores que nos caracterizam como humanos e
solidários, na busca da felicidade”.
Assisti no Teatro Sesc, do Centro, a
peça ‘Malala, a menina que queria ir à escola’. A peça conta a história de
Malala Yousafzai, heroína do nosso tempo e
mais jovem ganhadora do prêmio Nobel da Paz, conhecida principalmente pela defesa dos direitos humanos das
mulheres e do acesso à educação em sua província natal, onde os
talibãs locais impedem as jovens de estudar.
Ao longo da peça sentimos que
o Afeganistão é aqui e que nossos talibãs também nos ameaçam. Crianças
impedidas de estudar em razão de tiroteios, força pública que difunde o terror,
necessidade de procurar abrigo durante as aulas e grupos armados se impondo
pela força nos remetem ao que se vivencia em favelas brasileiras e nos faz
sentir horror pela ameaça de difusão do ódio e da brutalidade.
O incômodo é
crescente ao longo da peça. Mas, ao final quando mulheres brasileiras são
lembradas por suas resistências, dentre as quais Marielle, o público é tomado
de euforia e de sensação de que também podemos resistir à barbárie. O ativismo
de Malala, que se tornou um movimento internacional, ganha expressão ao final
da peça e em todos os rostos se vê emoção e esperança.
Por vezes a humanidade relaxa na
construção da civilidade e surgem os que pretendem guiá-la rumo à barbárie.
Isto talvez explique as crises que destruíram sociedade antigas. As sociedades
podem se constituir com o que há de melhor em cada modelo. Mas, também podem se
constituir com o pior de cada um deles.
Grandes civilizações foram exterminadas
e delas restaram apenas fragmentos. De algumas, nem histórias. Da Mesopotâmia e
da Babilônia, com seus jardins suspensos, pouco restou. Alguma coisa pode ser
visitada em museus europeus. Do Egito temos as colossais pirâmides e fragmentos
do que foi. Em Roma resta parte do Coliseu, alguns poucos monumentos e muita
história escrita. Da América do Norte, Central e Peru temos os monumentos e
grandes construções dos Astecas, Maias, Incas e de outros povos.
Depois da
Idade Média, a Europa ressurgiu com o Renascimento e o Iluminismo que nos dá a
racionalidade com a qual pretendemos nos construir. Mas, o século XX, o século
dos horrores, conheceu também o fascismo e o nazismo, quando se testou o limite
da desumanização.
No presente momento, o mundo vive entre
optar pelo retorno à barbárie ou continuar tentando construir-se como lugar de
afirmação dos valores que nos caracterizam como humanos e solidários, na busca
da felicidade.A peça Malala voltará em nova temporada no Teatro Casa Grande. No
cartaz diz que “falar sobre Malala é, antes de tudo, falar de amor. Amor ao
conhecimento. Amor à liberdade. Amor à justiça. Amor às crianças. Amor à
humanidade. Amor que transcende e transborda para o mundo”. É disso de
precisamos: dos valores de Malala. Ou, então retornaremos à barbárie. A opção é
nossa!
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 27/10/2018, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/10/5586937-revisitando-a-barbarie.html#foto=1