sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Crime de responsabilidade: quem não praticou?


“O que se tem no Brasil não é a diferença entre quem violou ou não direitos inerentes à cidadania e portanto praticou crime de responsabilidade. Mas quem teve articulação política suficiente para eximir-se de responsabilidade”.

Impeachment não é golpe. Trata-se de modalidade de afastamento de agente político por inconveniência de sua manutenção no cargo. Nem é estritamente um processo jurídico, ainda que busque se revestir desta forma para atingimento do seu fim. Diversamente dos crimes comuns, onde se há de buscar compatibilidade de conduta pessoal com situação prevista de forma abstrata e antecipadamente em lei, ainda que haja politização no processo criminal, nos crimes de responsabilidade a aferição de tal compatibilidade não é rigorosa.

O impeachment é meio de interromper a investidura de agente político, quando lhe faltem as condições de desempenho de suas funções. A Câmara dos Deputados autoriza a instauração do processo, e o Senado, sob a direção do presidente do STF, aprecia — como todo órgão julgador — se estão presentes os requisitos para a instauração do processo, e se for o caso, após processamento, julga.

A lei dos crimes de responsabilidade tem a gênese no golpismo, mas revestido de forma jurídico-política. Fora editada em 10 de abril de 1950 quando já era certa a eleição de Getúlio Vargas em 3 de outubro daquele ano. Era lei para criar embaraços ao presidente que seria eleito. Por crimes genericamente previstos, todos os presidentes da República poderiam ter sido processados, e a atual presidente também o pode. Um destes crimes previstos é o de violação de tratado internacional. A Convenção Americana de Direitos Humanos — ou o Pacto de São José da Costa Rica — é cotidianamente violada em todas as esferas de poder no Brasil.

Os crime contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais são costumeiramente praticados, dentre os quais o servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua. O que se faz contra os manifestantes pelo Brasil é prova cabal da prática de tal crime. Outro crime que se pratica no atacado é a violação de direito ou garantia individual bem como direitos sociais assegurados na Constituição.

O que se tem no Brasil não é a diferença entre quem violou ou não direitos inerentes à cidadania e portanto praticou crime de responsabilidade. Mas quem teve articulação política suficiente para eximir-se de responsabilidade.

 



 

 

Impeachment e Dilma: coisas indefensáveis


 “Na semana passada um ato de censura na TV Brasil foi estarrecedor. Alberto Dinis, o decano do jornalismo brasileiro, foi surpreendido pela intervenção da direção da Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC, no ‘Observatório da Imprensa’, suspendendo a exibição de entrevista com a historiadora Anita Prestes, no dia 7. Foi a primeira intervenção no programa ‘Observatório da Imprensa’ em 18 anos, sob o pretexto de que outro programa da emissora já apresentara uma entrevista com a professora. Se a censura tivesse sido antes da gravação do programa teria sido à professora. Foi depois e certamente decorreu do conteúdo por ela exposto”.
Depois da continuidade da política neoliberal, dos benefícios aos banqueiros, da supressão de direitos de trabalhadores, do atolamento no esquema instituído em governos anteriores para apropriação de dinheiro público, de apoio a governos locais contrários aos interesses da sociedade, do patrocínio da cartolagem do desporto de competição, do apoio a remoções de pobres em benefício da especulação imobiliária, o impeachment da presidente Dilma somente não é defensável porque da sucessão podem resultar maiores prejuízos. Tanto a presidente Dilma quanto o seu antecessor, ex-presidente Lula, frustraram as expectativas dos depositantes de esperança, de primeira hora, num governo comprometido com a ética republicana e com os interesses das camadas populares.
Além da falta de regulamentação das concessões públicas de comunicação, desde a redemocratização não se tem notícia de tamanha censura nos meios controlados pelo governo. O programa de debate ‘Espaço Público’, que era exibido pela TVE, com a apresentação da jornalista Lucia Leme, por suscitar debates, foi censurado, eliminado da grade e em seu lugar reprisado, ironicamente, o ‘Sem Censura’. Até a Rádio Pulga, criada pelos alunos do IFCS/UFRJ em meados dos anos 80, como meio de aprendizagem e exercício de comunicação social, foi fechada no governo Dilma, pela Polícia Federal, a exemplo de outras.
Na semana passada um ato de censura na TV Brasil foi estarrecedor. Alberto Dinis, o decano do jornalismo brasileiro, foi surpreendido pela intervenção da direção da Empresa Brasileira de Comunicação, a EBC, no ‘Observatório da Imprensa’, suspendendo a exibição de entrevista com a historiadora Anita Prestes, no dia 7. Foi a primeira intervenção no programa ‘Observatório da Imprensa’ em 18 anos, sob o pretexto de que outro programa da emissora já apresentara uma entrevista com a professora. Se a censura tivesse sido antes da gravação do programa teria sido à professora. Foi depois e certamente decorreu do conteúdo por ela exposto.
Trata-se de cerceamento extremamente preocupante em momento no qual se anseia por diversidade e pluralidade de conteúdo nos meios de comunicação. O impeachment é indefensável. Mas um governo que censura a liberdade de expressão também não merece defesa.
 

domingo, 10 de janeiro de 2016

Aumento das passagens acima da inflação

"O aumento das passagens não obedece a critério demonstrável. Em ação na qual se discutia reajuste de tarifa, foi requisitada a planilha com a variação dos custos. A autoridade pública pediu prorrogação do prazo, pois os cálculos ainda estavam sendo feitos. O que se fazia era ajustá-los para justificar o novo valor que já estava sendo cobrado do passageiro".
É mais fácil entender a Teoria da Relatividade e Física Quântica que o critério para reajustar as tarifas de transporte no Rio de Janeiro. Como não consigo entender uma coisa ou outra, fico com a explicação simplista de que o aumento decorre de conluio entre autoridades públicas e empresários do setor.
No Rio, a passagem de ônibus passou de R$ 3,40 para R$ 3,80, aumento pouco superior ao índice usado para reajustar o salário mínimo. Mas acima da inflação. A cada ano as tarifas de transporte são reajustadas, cumulativamente, por percentual superior ao da inflação e do mínimo. E ainda dizem que este tem aumentado seu poder de compra, com base na cesta básica, como se só de pão vivessem os trabalhadores.
O aumento das passagens não obedece a critério demonstrável. Em ação na qual se discutia reajuste de tarifa, foi requisitada a planilha com a variação dos custos. A autoridade pública pediu prorrogação do prazo, pois os cálculos ainda estavam sendo feitos. O que se fazia era ajustá-los para justificar o novo valor que já estava sendo cobrado do passageiro.
Teoricamente o reajuste das passagens é baseado no antigo índice Geipot. Trata-se do índice geral de despesas com transportes e se funda em informações do transporte no Brasil. Mas a aferição dos custos do transporte urbano de passageiros há de se fundar em valores reais despendidos pelas empresas. Desde que o governador Moreira Franco extinguiu a CTC, entregou as linhas a operadores privados e restituiu as linhas estatizadas aos antigos ‘donos de empresas’, vive-se uma farra no Rio, agravada após as privatizações de barcas, metrô e trens.
Se houvesse poder público comprometido com os interesses da sociedade, as tarifas seriam reajustadas com base em índices de variação de insumos e seriam considerados, em cada caso, a quilometragem rodada, o número de passageiros transportados, o valor dos veículos e sua depreciação, além de especificidades que pudessem afetar o valor da tarifa, sem desconsiderar fontes de receitas como publicidade — ‘busdoor’ — e fretamentos.
Mas a completa falta de transparência no setor de transporte de passageiros possibilita que os ‘donos dos ônibus’ digam quanto querem ganhar e o poder público, submisso, conivente ou maliciosamente conluiado, apenas homologue a ganância.
 
 
 
 

 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/01/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-01-09/joao-batista-damasceno-aumento-das-passagens-acima-da-inflacao.html

 

domingo, 3 de janeiro de 2016

Lei 100, Pedaladas, Aécio Neves e o Bom Ladrão

"Não se tratou de uma pedalada. Mas de um circuito completo de ciclismo. Além da violação da Constituição, do eleitoralismo do projeto e da evidente improbidade administrativa, outro objetivo era fraudar a Previdência Social. Com a efetivação dos quase 100 mil contratados, o governador de Minas Gerais deixaria de recolher a contribuição previdenciária descontada de cada servidor e receberia certificado de quitação da Previdência Social, podendo contrair empréstimos estrangeiros. A certeza de que tal improbidade administrativa seria tolerada decorria do fato de que, em São Paulo, outro governador tucano editara lei similar, e ninguém questionou sua invalidade".

O ano de 2015 se encerrou de forma melancólica para 98 mil protegidos do ex-governador Aécio Neves, empregados efetivados em cargos públicos sem concurso no ano de 2007. É que o STF julgou inconstitucional a lei que autorizava as nomeações e determinou as exonerações até 31 de dezembro.

Dispõe a Constituição que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público, mas em 2007 o governador mineiro Aécio Neves encaminhou projeto de lei à Assembleia Legislativa de Minas Gerais efetivando os contratados. O projeto inconstitucional, por pressão do governador, foi aprovado e convertido na Lei Complementar 100. O procurador-geral da República propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.876, e a lei foi declarada inconstitucional pelo STF.

Não se tratou de uma pedalada. Mas de um circuito completo de ciclismo. Além da violação da Constituição, do eleitoralismo do projeto e da evidente improbidade administrativa, outro objetivo era fraudar a Previdência Social. Com a efetivação dos quase 100 mil contratados, o governador de Minas Gerais deixaria de recolher a contribuição previdenciária descontada de cada servidor e receberia certificado de quitação da Previdência Social, podendo contrair empréstimos estrangeiros. A certeza de que tal improbidade administrativa seria tolerada decorria do fato de que, em São Paulo, outro governador tucano editara lei similar, e ninguém questionou sua invalidade.

Padre Antônio Vieira, no Sermão do Bom Ladrão, escrito em 1655 e proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa perante D. João IV e sua corte, disse que “a porta por onde legitimamente se entra ao ofício é só o mérito. E todo o que não entra pela porta (...) é ladrão, senão ladrão e ladrão. Uma vez porque furta o ofício, e outra vez porque há de furtar com ele. O que entra pela porta poderá vir a ser ladrão, mas os que não entram por ela já o são”.

O vício na conduta de uns não legitima o de outros. Mas se a abertura de crédito orçamentário suplementar para custeio do Bolsa Família é apontada como pedalada fiscal e fato grave, evento desta natureza, o empreguismo em violação à Constituição, que incha a máquina pública e cria déficit fiscal, não poderia ser considerado fato de menor gravidade a ponto de ser omitido no noticiário.



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/01/2016, pag. 14. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-01-02/joao-batista-damasceno-lei-100-pedaladas-aecio-neves-e-o-bom-ladrao.html