domingo, 29 de novembro de 2020

Ninguém ganhou. Quem ganhou, também perdeu. E quem perdeu, perdeu feio!

O Rio de Janeiro tem, segundo os registros do TRE, 4.851.886 eleitores cadastrados e aptos a votar nas eleições de 2020. Deste total 1.720.154 (35,45%) não compareceram  no segundo turno realizado no dia 29/11/2020. É o maior índice de abstenção de todas as eleições cariocas e, também, o maior índice de abstenção dentre os demais pleitos realizados no país no mesmo dia.

De acordo com o resultado divulgado não compareceram 1.720.154 (35,45%), compareceram e votaram em branco 157.610 (3,25%) e compareceram e votaram nulo 431.104 (8,89%). Isto totaliza 2.308.868 (47,59%) eleitores que não escolheram nenhum dos candidatos que disputaram o 2º turno.

Compareceram às urnas 3.131.733 eleitores. Mas, apenas 2.543.019 votaram num dos dois candidatos.

Quando aproximadamente a metade dos eleitores não comparece, comparece e anula ou vota em branco o que está em jogo é a democracia.

O candidato eleito teve 1.629.319 votos. Isto corresponde a 33,58% do eleitorado total do município, 52,03% dos eleitores que compareceram e 64,07% dos votos válidos.

O candidato que disputava a reeleição teve 913.700 votos. Isto corresponde a 18,83% do eleitorado total do município, 29,18% dos que compareceram e 35,93% dos votos válidos.

A politica perdeu. A democracia perdeu. O fundamentalismo religioso foi fragorosamente derrotado. O candidato vencedor deve comemorar o resultado com cautela. Apenas um terço do eleitorado o escolheu e parcela desta fração o fez a contragosto. Muitos dos que nele votaram, em verdade, expressaram repúdio ao seu rival eleitoral e ao que representa. Não se trata de um candidato ‘efetivamente vitorioso’ que tenha tocado corações e mentes. Trata-se do mal menor, tal como uma marquise em dia de chuva de verão.

Fora da política não há solução para a vida social. Os poderes tradicionais que imperavam nos domínios domésticos do potentado rural do Brasil agrário e patriarcal jamais serão restabelecidos. Um país que jamais foi colonizado, pois colonizou o colonizador, e que domesticou as divindades e fez o carnaval jamais será ordenado pela religião. É preciso restabelecer a política como instância responsável. Mas, não qualquer proposta política. Há que ser política democrática. Os que pugnam pela democracia precisam se preocupar em restaurá-la, pois as aventuras das duas eleições passadas demonstram o risco a que está sujeita.


 

sábado, 21 de novembro de 2020

Cultura do estupro e dignidade sexual

O Caso Mariana Ferrer mobilizou a sociedade e outros casos foram reportados, assim como foram analisadas e discutidas as condutas dos agentes do Sistema de Justiça. A cada dia mais, ouço relatos de estupros e assédio sexual de amigas, alunas, filhas de amigos e de outras mulheres cuja dignidade sexual foi violada. As vítimas já não se sufocam no silêncio e denunciam. Talvez pela idade, pelo respeito que expresso pelas vítimas e seus familiares, pela confiança em mim depositada ou por outro motivo que desconheço, sou procurado para ouvir. Ouvir, em tais situações, é humanismo. Em nenhum caso vi as instituições funcionando adequadamente.

Temos deficiência no trato da questão. O comportamento formal e legal se exige da pessoa vitimada é incompatível com o seu estado emocional. Ao lado das medidas legais é preciso estabelecer serviço de apoio humanizado às mulheres vitimadas. Mesmo nos casos em que atuei, como juiz, tenho sérios questionamentos se fiz o que era mais adequado, ainda que tenha a consciência tranquila de que não teria como fazer diferente. Mais que nunca tenho compreendido não se poder esperar da pessoa vitimada por violência sexual comportamento padrão, nem exigir que a comunicação seja imediata. Cada pessoa vitimada se comporta de uma maneira, assim como cada uma tem um tempo para elaborar o que lhe sucedeu.

A constituição da família tradicional brasileira, na colonização, sob o regime de economia patriarcal, teve como característica a formação de uma sociedade agrária e escravocrata em que tudo era permitido ao senhor. ‘Senhor’ era título de potestade, a que muitos aspiravam, sem limites de qualquer ordem no âmbito de seus domínios. A fazenda, local onde tudo se fazia, tudo podia ser feito, inclusive o ‘apossamento’ das mulheres negras e índias, sem qualquer limitação ordenada pela ‘civilidade’. E, sob a ideologia de que o senhor rural tudo podia, nem a vítima deslegitimava a violência a que era submetida. Em não poucas famílias brasileiras ainda há quem se vanglorie da origem indígena sob o fundamento de ter alguma ascendente “pega a laço”. O ‘apossamento sexual’ era forma de subjugação do corpo de quem era tratada como objeto.

A violência sexual contra mulheres sempre foi tratada com irrelevância pelas instituições brasileiras. Na Colônia, em alguns casos, chegava-se a multa. Mas irrisória. Diversamente, a blasfêmia contra os santos ou a ‘feitiçaria amorosa’ era punida com degredo. O comportamento do colonizador era de sadismo e a prática sexual forçada, se não resultasse lesão corporal, não era considerada violência sexual. O estupro consistia numa transgressão deliberada para explicitar poder, demonstrar quem estava acima das normas e quem podia ‘profanar’ corpo alheio. Os Bandeirantes, ‘cablocos’ nascidos do estupro das índias, igualmente aprenderam a fazer apreensões de pessoas, escravizá-las e se ‘apossar’ das mulheres de outras tribos. O sadismo do conquistador transmitiu-se socialmente aos seus descendentes e se estendeu às demais mulheres, sob a forma de repressão sexual e social do pai ou do marido.

O estupro foi uma forma de desonrar os vencidos e suas mulheres, esteve presente em todas as guerras dos povos ocidentais, remanesce atualmente com os soldados estadunidenses no Oriente Médio e por agentes do Estado em incursões militares nas favelas e periferias, bem como nos presídios. Também está presente em ocorrências com jovens brancas de classe média, usuárias de drogas e chamadas de “ratinhas de favela”, ou outras em incursões para conhecimento de realidades distintas das suas, praticadas, por vezes, por quem também é cotidianamente vítima de outras violências. Além da prática sexual com violência ou ameaça, e com pessoa vulnerável incapaz de consentir, também é atentado à dignidade sexual o assédio de pessoa privilegiada em relação de poder.

A prática do estupro, não raro, envolve pessoa das relações sociais da pessoa abusada. O assédio sexual sempre decorre de abuso em relação de poder. Estupro não é sexo e não implica desejo e gozo, mas dominação sobre o corpo de outrem. A cultura do estupro e do assédio sexual é uma cultura de subjugação. A cultura do estupro é parte do passado que insiste em permanecer presente em nossa ‘conservadora modernidade’. A abominável cultura do estupro pode permear todas as classes sociais, graus de instrução, níveis econômicos e etnias. Se a educação não for libertadora o desejo dos que foram oprimidos será tornarem-se opressores.


Publicado em 21/11/2020 no jornal O DIA. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/11/amp/6030710-cultura-do-estupro-e-dignidade-sexual.html

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A Senhora Carrefour Chantal Pillet: mulher e negra

 

CHANTAL PILLET, A DIRETORA EXECUTIVA DO CARREFOUR É MULHER E NEGRA. E ISTO NÃO IMPEDE O EXTERMÍNIO DOS NEGROS POBRES. A QUESTÃO É DE CLASSE SOCIAL

Há um padrão de tortura pelos seguranças no Carrefour que deve ser objeto de investigação.

Já não basta punir os casos noticiados, que são muitos.

Se não mudar o padrão de atuação muitos ainda morrerão. O perigo é que passem a matar sem possibilitar filmagem.

O primeiro caso que ouvi falar foi no Carrefour da Barra da Tijuca e o delegado era Orlando Zaccone. Os seguranças haviam pego duas mulheres furtando protetor solar, levaram-nas para a "salinha de correção" e telefonaram para os traficantes da Cidade de Deus virem buscá-las.

Havia um "acordo de colaboração" entre os seguranças do Carrefour e os traficantes da Cidade de Deus.

Uma das mulheres conseguiu fugir, se escondeu numa loja, telefonou para a polícia que ao chegar a levou para a delegacia para ser autuada pela tentativa de furto.

A outra foi levada pelos traficantes.

O delegado mandou uma equipe fazer uma ronda na Cidade de Deus. Ao verem a ação policial os traficantes liberaram a mulher, que estava em vias de execução por tortura. Ela telefonou para a amiga, que estava na delegacia, e recebeu instrução para ir também para lá.

Os seguranças foram presos e incursos nas penas do crime de tortura. Mas, o 'padrão de segurança' foi mantido pelo Carrefour.

O racismo institucional que se denuncia no caso de Porto Alegre/RS não se resolve com a ascensão de alguns negros aos postos de mando. Chantal Pillet, a diretora do Carrefour, é mulher e negra. E isto não impede a execução dos negros pobres em conflito com os interesses patrimoniais da multinacional francesa. A questão é de classe social. Papa Doc e Baby Doc, assim como os Ton-ton Macutes (todos negros) igualmente massacravam os negros pobres no Haiti.

A questão está no liberalismo e no capitalismo periférico. No liberalismo cada qual deve por seus próprios méritos atingir seus objetivos. Mas, no capitalismo periférico uma parcela da sociedade não está qualificada para produzir nem para consumir. Daí é que pode ser eliminada. No Brasil, a maioria dos componentes desta parcela “matável”, porque pobre, da sociedade é de pessoas negras. Mas, brancos pobres também são descartáveis na concepção dos senhores do capital, sejam os ocupantes dos topos das corporações da etnia que for. Estão a serviço dos interesses que os dominam e que não são permeados pelo valores que nos caracterizam como humanidade.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Inelegibilidade, trânsito em julgado e lei da ficha limpa



As decisões judiciais que, açodadamente, impõem efeito imediato às condenações por improbidade administrativa, sem esperar o trânsito em julgado se afiguram ilegais.

A lei de improbidade administrativa é clara. A sentença fundada nela somente produz efeito com o trânsito em julgado. Se sentença ou acórdão fundado na lei 8429/92 ainda não transitou em julgado não há decisão judicial a ser efetivada e seus efeitos dependem de apreciação dos recursos pendentes.

Diz a lei 8429/92 em seu art. 20: “A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Mesmo com a excrescente da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010), editada pelo presidente Lula quando achou que as instituições estariam a seu serviço e que não seriam atingido por ela, não cabe eficácia de acórdão proferido com fundamento na Lei 8429/92.

A Lei da Ficha Limpa não revogou o dispositivo da Lei da Improbidade Administrativa que impõe o trânsito em julgado como condição para a eficácia da condenação. Os Casos de inelegibilidade da LC 135/2010 são:

c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos; 

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes; 

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: 

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; 

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; 

3. contra o meio ambiente e a saúde pública; 

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; 

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública; 

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; 

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; 

8. de redução à condição análoga à de escravo; 

9. contra a vida e a dignidade sexual; e 

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando; 

f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos; 

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

.......................................................................................................................... 

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição; 

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; 

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena; 

m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário; 

n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude; 

o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário; 

p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22; 

q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;

Portanto, nos precisos termos do art. 20 da Lei 8429/92 não se pode dar efeito imediato a condenação com fundamento na Lei de Improbidade Administrativa. Tal efeito somente se produz com o trânsito em julgado.

Num Estado de Direito todos estão subordinados à eficácia da lei, inclusive o próprio Estado dentre os quais o seu aparelho judiciário.

sábado, 7 de novembro de 2020

Desmonte do serviço público e do Brasil


Visando a qualificar os funcionários públicos o presidente Getúlio Vargas instituiu o Departamento de Administração do Serviço Público (Dasp), encarregado de formar a elite dirigente dos órgãos estatais e prestação de adequados serviços públicos à sociedade brasileira. Era um projeto de nação soberana em prol dos brasileiros e não um projeto ‘patrioteiro’ como o dos que vestem camiseta verde-amarela, mas choram e batem continência diante de bandeira de país estrangeiro para entregar as riquezas nacionais. 

Uma importante geração de brasileiros foi qualificada profissionalmente no Governo Vargas. O avô do deputado Rodrigo Maia e pai do vereador e ex-prefeito César Maia, Felinto Epitácio Maia, foi dirigente da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), desdobrada posteriormente em Banco Central e Casa da Moeda. Fez parte da geração de profissionais valorizados e qualificados para o serviço ao público na Era Vargas.

A relação familiar dos Maias com a burocracia estatal vem das origens no Nordeste e com o mercado financeiro perpassa gerações. Mas, o deputado Rodrigo Maia também é genro do ex-governador Moreira Franco, que era genro do ex-governador Amaral Peixoto que era genro de Getúlio Vargas. A parentela é conceito sociológico estudado no Brasil por Oliveira Vianna, talvez o mais importante intérprete do Brasil e intelectual orgânico do Governo Vargas.

Desde a formação do Brasil, os genros foram de muita importância política. Era mediante o casamento das filhas com os bacharéis oriundos das cidades que os coronéis estabeleciam relações com o governo central e a burocracia estatal. A Primeira República ficou notável pelo coronelismo, caracterizado pelo mandonismo local dos donos de terras, e o bacharelismo dos genros

A desorganização dos serviços públicos na Primeira República foi quase total e isto atendia aos interesses dos coronéis. A Era Vargas reinventou o Brasil, mas os projetos de desorganização dos serviços públicos em prol dos interesses privados foram retomados, em prejuízo da sociedade brasileira.

Grandes obras públicas do passado foram programadas e executadas por órgãos públicos e seus funcionários. As mais notáveis são as projetadas pelo funcionário público Oscar Niemeyer, em seus anos iniciais de carreira. Desde a Era JK as empreiteiras ganharam terreno e os funcionários que antes exerciam o papel foram sendo deixados de lado. E assim fizeram sucessivos governos nas diversas esferas federativas. No Rio de Janeiro, no Governo Leonel Brizola, foi diferente. Para construção dos Cieps foi montada uma ‘fábrica de escolas’, e dela saiu também o sambódromo

Neste momento, além da desvalorização dos servidores públicos, tem-se igualmente o desmonte do serviço público. A um só tempo atende-se a três interesses: os serviços públicos passarão a ser prestados por empresas privadas, que além de cobrar pelos serviços, serão subsidiadas pelo poder público, sem qualquer controle; os serviços a serem prestados à administração pública serão contratados no mercado, enriquecendo quem os presta e, os servidores públicos concursados e efetivos serão substituídos por ocupantes de cargos comissionados. Estes são imprescindíveis para as ‘rachadinhas’, pois funcionários concursados e efetivos não contribuem para os que os nomeiam e os mantém no cargo.

O desmonte do serviço público não é um acidente. É um projeto e atende, também, aos interesses do capital financeiro. O problema é que muita gente que está, com razão, desgostosa com os serviços prestados precariamente, não pugna pela sua melhoria, mas pela sua privatização. Mas, muitos não poderão pagar por eles quando forem prestados e cobrados pelo mercado. A PEC da Reforma Administrativa é o fim de um projeto de responsabilidade do Estado com a sociedade brasileira. É o fim do pouco que temos de Estado de Bem Estar Social.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/11/2020. Disponível no link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/11/6023080-joao-batista-damasceno-desmonte-do-servico-publico-e-do-brasil.html