domingo, 29 de setembro de 2019

Eu apoiei a PEC 37, que limitava os poderes do MP


Eu apoiei a PEC 37, que limitava os poderes do MP.

Com ela o ex-PGR teria aprendido mais cedo que não é super herói e não teria querido matar um ministro do STF. Eu sei o que são estes “potentados da burocracia”, pois já vivi ameaçado dentro do tribunal a que pertenço.




https://blogdodelegado.wordpress.com/2013/04/17/joao-batista-damasceno-pec-37/

PEC 37


A proposta de emenda à Constituição limitando os poderes investigatórios criminais exercidos indevidamente pelo Ministério Público o coloca sob o Estado Direito. Com a PEC 37 fica explícito que cabe à polícia investigar e ao MP o controle da atividade policial. O MP pretende investigar diretamente, acumulando os poderes investigatório e acusatório, sem que seja controlado nesta atividade.



Juízes, promotores ou policiais não são deuses. São pessoas sujeitas aos mesmos erros que as demais. A cordialidade que nos caracteriza propicia perseguições, caprichos e apadrinhamentos. Demonstrando o quanto se é rigoroso na aplicação da lei, há quem seja capaz de atrocidades com os que não sejam do seu clã ou se encontrem em situação de vulnerabilidade. Somente um sistema de distribuição de funções entre diferentes órgãos e controle recíproco de uns sobre os outros pode ensejar o exercício adequado de cada função.



Ao longo de 20 anos julgando ações civis públicas e ações por improbidade administrativa, vislumbrei o quanto por vezes se é rigoroso com uns e nem tanto com outros. Nos inquéritos cíveis públicos, o MP tem o poder de investigar, mas nem sempre o faz diretamente. Em muitos casos as investigações são feitas por policiais militares alocados junto ao MP, em decorrência de “convênio remunerado”, de discutível legalidade, celebrado no Rio. Muitos foram os relatos de abusos destes policiais agindo em nome do MP, sem quem os controlasse.



Diversamente do inquérito civil, quando em regra o acusado tem maior capacidade de defesa, a seletividade do sistema penal torna os excluídos alvos preferenciais de sua atuação, com pouca possibilidade de subtração ao arbítrio. O MP já tem poderes para requisitar investigações e, para controle, pode acompanhar as diligências.


Poder concentrado e sem controle é sinônimo de abuso. As anomalias que se registram nas investigações feitas pelo MP e nas perícias de sua equipe no Rio nos apontam o caminho pelo qual a rejeição da PEC 37 nos conduziria.

sábado, 28 de setembro de 2019

O despreparo de Janot


Não conheço o ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot. Mas, todos que o conhecem dizem-me que é despreparado tecnicamente. 

Sobre a declaração de Janot de que fora armado para o STF para matar o ministro Gilmar Mendes, este editou nota na qual diz:

“Confesso que estou algo surpreso. Sempre acreditei que, na relação profissional com tão notória figura, estava exposto, no máximo, a petições mal redigidas, em que a pobreza da língua concorria com a indigência da fundamentação técnica. Agora ele revela que eu corria também risco de morrer”.

Por sua vez o ministro Marco Aurélio disse:

“Fico a me indagar. Se a pontaria do pretenso atirador for tão acurada quanto o conhecimento jurídico, eu poderia ser atingido”.

O membro do Ministério Público quis jactar-se de coragem que não teve para vender seu livro. Não é a primeira vez que um livro de má qualidade, com o demérito do dano ambiental resultante das árvores cortadas para fazer o papel, tem bravatas antecipadas por seu autor para alavancar as vendas

Mas, até no marketing Janot é fraco. Para alavancar a venda de livro de qualidade, talvez, similar ao livro de Janot o ex-deputado constituinte e ex-ministro do STF declarou às vésperas do lançamento, em 2003, que “nem todos os artigos da Constituição foram votados pela Assembleia Constituinte. Houve a inserção de dois artigos ‘de última hora’ no texto constitucional”. Mas, não revelou quais eram os artigos. Quem quis saber teve que ler no livro.

Janot, ao contrário, não fala no livro o nome do ministro Gilmar Mendes. Conta apenas sua intencionalidade. Mas, para a imprensa revela quem era a vítima potencial. Quem vai comprar o livro agora para saber o que se passou

O ex-PGR perdeu o porte de arma, o acesso ao STF e o sócio no escritório. Só falta agora ninguém comprar o livro. Mostrou-se desqualificado também para o marketing.

Realmente, além da fraqueza técnica o ex-PGR deve estar acometido do mal que lhe diagnostica o ministro Gilmar Mendes em sua nota.



Pecado fake


A realização da Bienal do Livro neste ano, no Riocentro, propiciou mais uma oportunidade de reafirmação da liberdade de expressão e o ataque que se faz constantemente contra a inteligência. Ninguém é a favor da censura. Mas, há os que são contra as expressões alheias. Vozes obscurantistas difundiram pelas redes sociais que na Bienal havia livros pornográficos destinados ao público infanto-juvenil. Logo o prefeito Marcelo Crivella assanhou-se para apreensão dos referidos livros tendo como exemplo o governador do Estado de São Paulo que se recusou a distribuir livros com conteúdo contrário aos seus valores. Na disputa pelo obscurantismo cada pessoa acometida do complexo de Torquemada tenta ser mais obtusa que a outra.

Fake news são notícias falsas difundidas com conteúdo intencionalmente enganoso, como se fossem informações reais. Este tipo de notícia, em sua maior parte, é feito e divulgado com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou prejudicar uma pessoa ou grupo. A novidade não são as notícias falsas. Mas, o poder viral das fake news ante o surgimento das novas mídias. Com o avanço tecnológico e maior intercomunicação entre pessoas e grupos as notícias falsas se espalham rapidamente.

As informações falsas apelam para o emocional, fazendo com que as pessoas consumam o material “noticioso” sem confirmar se é verdade seu conteúdo. E por isso as fake News têm maior apelo que as notícias verdadeiras ou aquelas que demandam raciocínios e formulação de juízos.

Pesquisadores tentam estabelecer uma relação entre o poder de persuasão das fake news e o grau de escolaridade dos seus destinatários. Mas, a escolaridade não limita o poder de crença. Cada pessoa crê naquilo que lhe é conveniente e isto independe de grau de escolaridade, poder econômico ou status. Os indivíduos tendem a crer no que lhes convém. As fake news sempre existiram. O termo é novo, assim como o modo de propagação, mas nada mais são que boatos de grande circulação.

Diante dos boatos, ao invés de gastar dinheiro público para cuidar da cidade, o prefeito mandou fiscalização à Bienal e ameaçou cassar a licença de funcionamento, esquecendo-se que licença é ato administrativo não sujeito a revogação pela vontade de quem se julga dono do poder. Os fiscais foram e comprovaram a inexistência de livros de conteúdo pornográfico infanto-juvenis. Não satisfeito o prefeito os mandou novamente e os fiscais, de novo, nada encontraram. Diante da ameaça que pairava, os organizadores do evento ajuizaram ação e obtiveram liminar para fazer cessar o assédio do alcaide. O município, difundindo processualmente fake news, juntou ao processo imagem de um livro holandês traduzido para o português de Portugal alegando que se tratava de gibi pornográfico. O tal livro, destinado ao público adulto, não é vendido no Brasil e não estava exposto na Bienal. Enganado pelo município, mas fazendo coro com a censura, o presidente do Tribunal de Justiça cassou a liminar deferida. Felizmente há juízes em Brasília e o STF restabeleceu a liberdade de expressão e difusão das obras escritas.

A obra prima de algumas religiões é o pecado. E somente mentes muito férteis são capazes de imaginar a existência de literatura pornográfica infanto-juvenil. Assim, não tardou para que o cardeal da cidade se solidarizasse com a censura, “em nome da família fluminense e das pessoas de bem”. Mas, dele, faltou igual preocupação com as famílias quando da desocupação - em dia de chuva - dos favelados da Ocupação Oi-Telemar em 2014.

O conservadorismo que nos rodeia é uma abominação política, ética e cognitiva. É abominação política porque fascista; é abominação ética porque violento e é abominação cognitiva, porque ignorante. Mas, não passarão!



Publicado originariamente no jornal O DIA, em 21/09/2019, pag. 14. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/09/5683050-joao-batista-damasceno--pecado-fake.html

Para todos os lados


A concepção de que uma nova lei de abuso de autoridade possa impedir ilegalidades de agentes públicos é mais uma crença fundada na fantasia. Tal crença se afasta da análise concreta da formação brasileira e no autoritarismo que permeia as relações sociais. A lei editada é inócua. Os fatos que ela tipifica já estão elencados como crimes na legislação brasileira. Matar é crime e em poucos países do mundo se mata tanto quanto no Brasil. Torturar é crime hediondo, mas até um menino pego furtando chocolate em supermercado é sujeito a tortura por milicianos contratados pelo comerciante. A filmagem e divulgação demonstram a ousadia e confiança dos milicianos nos que os incentivam. Derrubar moradia em área de vulnerabilidade social, com o uso do `caveirão´, é violação ao direito social de moradia inscrito na Constituição, mas os abusos dos condutores do `caveirão´ são comuns. Tudo o que fica na frente está sujeito à destruição pelo veículo de guerra contra pobres: barracos, carros, bicicletas, carrocinha de pipoca etc… Atirar do alto de helicóptero na população favelada implicaria violação ao Tratado de Genebra, se o Brasil estivesse em guerra com outro país, mas em Angra dos Reis – de dentro do helicóptero no qual estava o governador – foram feitos disparos a esmo. Enfim! Leis já temos. O que falta é respeito à dignidade da pessoa humana pelos agentes do Estado e sistema de controle de suas atuações. A Constituição elenca dentre as atribuições do MP o controle da atividade policial.
Durante a ditadura empresarial-militar as instituições ficaram reféns da força bruta dos que comandavam o Estado a serviço de interesses não explicitados. Agentes públicos diversos, incluindo juízes, desembargadores e três dos melhores ministros da história do STF, foram cassados e os demais intimidados. Não havia garantias constitucionais na prática, embora inscritas na Constituição outorgada pelo próprio regime, para inglês ver. Os chefes do Ministério Público, fosse o procurador geral da república ou os procuradores de justiça estaduais, eram nomeáveis e demissíveis pelo Presidente da República ou pelos governadores do Estado, ao seu bel prazer. Foi a crença de que a falta de autonomia do Ministério Público, como controlador dos demais poderes era o que nos faltava para o regular funcionamento institucional, que possibilitou se desse à instituição sua feição atual, como superpoder do Estado.
Mas, as instituições são o que as pessoas que ocupam os cargos fazem na prática. E o Ministério Público se convolou num superpoder com alguns membros imbuídos de projeto de poder pessoal e enriquecimento. O conluio e as palestras remuneradas do ´principado de Curitiba´ o demonstram. No tabuleiro do xadrez institucional o MP anda para todos os lados e salta quantas casas quiser. Ninguém o controla. É parte processual quando quer (e somente a ele cabe avaliar se será parte ou não), é fiscal da lei, seus membros somente podem ser denunciados por crimes pelos próprios membros da corporação, os mais antigos se reservam o direito de acumular os cargos na instituição com o exercício da advocacia em seus escritórios e ainda podem se licenciar para concorrer a cargos eletivos. Se perdem a eleição ou encerram o mandato, podem voltar às funções ministeriais. Para quem quer ser chamado de magistratura de pé, ou parquet, os membros do Ministério Público devem ter as mesmas limitações dos magistrados e ter controle de suas atividades por órgão que não seja da própria instituição, como basilar princípio republicano.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/09/2019, pag. Link: https://istoe.com.br/joao-batista-damasceno-para-todos-os-lados/