quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Antígona, leitura obrigatória em tempo de barbárie

Choramos nos sepultamentos por nós que ficamos sem aquele que morreu.

Choramos também por sabermos que este é o nosso inexóravel destino.

Os rituais de sepultamento são necessários. Com ele nos certificamos do desfazimento dos laços que nos prendia a quem morreu.

O reconhecimento do direito de participar de um funeral nos humaniza; nos dá dimensão civilizada.
A lei de Tebas proibia que Policines fosse sepultado. Mas, sua irmã Antígona não se submeteu a tal iniquidade. Mais que a lei editada por seu tio Creontes reconheceu que Policines tinha direito ao sepultamento, por se tratar de dignidade da pessoa humana acima da lei editada pelo tirano.

A dignidade da pessoa humana é fundamento da República brasileira. Está no art. 1o, V da CR, assim como o pluralismo político, inscrito no inciso III.

Não é a nossa lei que impõe a barbárie. É o verdugo; o carcereiro; o carrasco com suas vestes pretas.

É tempo de ler Antígona, de Sófocles, disponível no link abaixo. Precisamos resgatar o que nos caracteriza como humanos.


Antígona, de Sófocles, disponível no link: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/antigone.pdf


segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Ele voltará!


Ele voltará!

   “Não há pasárgada para Galileus”. Vamireh Chacon

Nesta data, 24/01/2019, o deputado federal Jean Wyllys anuncia que não assumirá o terceiro mandato de deputado federal para o qual foi eleito no ano passado. Encerrará sua carreira política neste segundo mandato, mudará para a Espanha e trilhará vida acadêmica. Tudo por causa de ameaças.

É óbvio que o deputado vem sofrendo ameaças e que o grupo que chega ao poder está enfiado até a raiz do cabelo com grupos paramilitares truculentos que engordam suas receitas com extorsões diversas.

Não faltam milicianos com fortes relações políticas e políticos da “nova era” apoiados em milicianos para manutenção de suas bases eleitorais e enriquecimento.

Mas, não é ameaça o que leva o deputado a abdicar de assumir o 3º mandato. Há razões diversas e nenhuma delas é explicitada no jogo político que o renunciante alega.

Jean Wyllys é um jogador. E dos bons. No BBB-5 jogou com todos os participantes e com o público. Declarando-se perseguido nos primeiros dias do Reality Show chamou para si a atenção e se colocou como vítima, ganhou a afeição do público e evitou a eliminação.

Candidato a deputado federal em 2010 teve 13.016 votos. Foi eleito graças às sobras, por haver o mais votado do partido superado em muito o quociente eleitoral.

Na eleição de 2014 teve 144.770 votos, decuplicando sua base eleitoral (acréscimo de 1112%, ou seja, um mil cento e doze por cento).

Na eleição de 2018 seu eleitorado minguou para 24.295 votos.  De novo foi eleito pelas sobras (seu eleitorado minguou para 16,78% da eleição anterior).

A base eleitoral do deputado desapareceu. Parte dela decorrente de suas posturas autoritárias que aponta o dedo para quem dele discorda e acusa homofobia ou “homofobia mal disfarçada”, seja qual for o tema da discussão. Ainda que o assunto seja a Venezuela (onde se coloca ao lado dos interesses dos EUA) ou sionismo da direita israelense. Basta discordar do deputado para ser chamado de homofóbico. Testemunhei tal ocorrência. Jean Wyllys chegou a fazer visita de apoio a Israel em momento de assassinato de palestinos e não se vexa da defesa do sionismo.

O motivo da abdicação de Jean Wyllys não são as ameaças que está sofrendo. Tampouco as ameaças aos seus familiares. Afinal, deixará o país, mas seus familiares ficarão.

Jean Wyllys joga. Deixa o mandato espetacularmente. O espetáculo é a profissão do BBB mais inteligente dentre os “heróis” de Pedro Bial. O deputado não mais tem espaço dentro do PSOL, partido pelo qual se elegeu 3 vezes. Sua ida para o PT é certa. Mas, como sair de um partido no qual se elegeu pelas sobras e integrar outra agremiação? O partido poderia lhe pedir o mandato. Brigar para sair poderia não ter bom resultado.

O suplente do deputado Jean Wyllys é David Miranda, casado há 13 anos com Glenn Greenwald, o jornalista americano que revelou em 2012, com Edward Snowden, o alcance das ferramentas de vigilância global dos Estados Unidos. Ele recebeu 17.356 votos. Compõem o mesmo segmento identitário e não deixará seu eleitorado sem representação. O mandado ficará em boas mãos.

Depois da visibilidade no BBB-5 Jean Wyllys terá agora visibilidade internacional. Com a rede de apoio internacional poderá melhor defender os interesses imperialistas e o sionismo assassino de palestinos.

Em 2022 Jean Wyllys estará de volta. Pelo PT. Para aproveitar o desgaste do governo Bolsonaro ou de quem lhe suceder e as glórias decorrentes da redenção do petismo que - defensor da ordem - deverá fazer o mesmo que fez por 13 anos.

O deputado diz que abdica de seu mandato porque não conseguiu ver o eclipse da lua em razão da ausência momentânea de seus seguranças. A ausência de segurança se resolve chamando-os. Além disto, quem quer ser Galileu não pode querer Pasárgada. Ética implica em fazer opção e suportar as consequências decorrentes da escolha. O deputado é um jogador. E dos bons. Está jogando. Vamos ver se ganhará. A sorte está lançada. The winner takes it all! The loser...

domingo, 20 de janeiro de 2019

A extradição de Battisti

Já se disse que não se deve acreditar em quem nos trata bem, mas trata mal um morador de rua, pois nos trataria mal se estivéssemos em situação de vulnerabilidade. O mesmo podemos dizer de quem trata mal quem - perseguido em seu país de origem - pede refúgio no nosso. O caso Battisti é emblemático. Os que defenderam a extradição de Battisti por crimes políticos praticados quando jovem aplaudem os que, no Brasil, transformaram quartéis em centros de tortura.

A fuga de Cesare Battisti para a Bolívia, depois que foi autorizada a reabertura de seu processo de extradição, demonstra o quanto se gasta com determinados órgãos sem que sejam capazes de produzir os efeitos desejados. Battisti saiu do Brasil sem que os órgãos de 'inteligência' lhe acompanhassem os rastros.

Preso na Bolívia o governo brasileiro fez o papelão de pretender que fosse trazido ao Brasil para daqui ser extraditado para a Itália. Ao que parece tanto o general que deu a idéia, o presidente da República e o ministro das relações exteriores - que chegaram a se reunir para tanto e mandaram um avião à Bolívia para buscar Battisti - desconsideram que a Bolívia é um país soberano que trataria da questão diretamente com a Itália.

Preso em 1979 e condenado a 12 anos de prisão por crimes eminentemente políticos, quais sejam, participação em organização subversiva e autoria de ações subversivas, em 1981 Battisti se refugiou no México e depois na França, onde conseguiu abrigo político.

Em 1982, com Battisti fora do alcance do sistema penal italiano, um dos seus companheiros fez delação premiada e o acusou de ter praticado quatro homicídios, incluindo de um açougueiro e de um joalheiro, militantes nos anos 1970 numa organização de extrema direita e autores de homicídios de militantes de esquerda. Os crimes de homicídios imputados pelo delator jamais foram comprovados. E, tendo sido cometidos ao mesmo tempo em lugares diferentes foi imputado a Battisti ter executado um deles e ordenado o outro. E assim foi condenado a prisão perpétua.

Em 2007, Battisti pediu refúgio no Brasil depois que um governo de direita na França o transformou em troféu a ser entregue à Itália de Berlusconi. O STF julgando o pedido de extradição teve a votação empatada em 5 a 5. Coube ao então presidente, abandonando o princípio de que na dúvida se decide a favor do réu, proferir o voto de minerva e autorizar a extradição. Sabendo o que é um julgamento político, na Itália ou no Brasil, o presidente Lula em seu último ato de mandato deferiu o asilo a Battisti.

Desde que fugiu para a Bolívia não mais cabia ao Brasil qualquer participação na extradição. A atuação das autoridades brasileiras demonstrou incompreensão do papel que lhes cabe na ordem internacional.

O governo brasileiro queria entregar Battisti como um troféu ao governo italiano, quando já não mais tinha o que entregar.




Publicado originalmente no jornal O DIA em 20/01/2019, pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/01/5612649-joao-batista-damasceno--a-extradicao-de-battisti.html 

sábado, 5 de janeiro de 2019

Oligarquia laranja


Uma cor dá unidade a um grupo social ou identidade a um objeto de marketing. O verde da bandeira brasileira é símbolo da Casa de Bragança; o amarelo dos Habsburgo. Collor quis se identificar com uma cor e dizia ter aquilo roxo. Os trabalhadores se apropriaram do vermelho, simbolizando o sangue derramado nas lutas por direitos sociais. Quem se apropriará do laranja?
Foi empossado na presidência da República um capitão da reserva do Exército brasileiro, sem histórico militar que o recomende. Eleito vereador no Rio de Janeiro, em 1988, elegeu-se a partir de 1990 deputado federal, por sete mandatos consecutivos. Em 28 anos como deputado não fez qualquer trabalho relevante. Não compôs comissões, não parlamentou com seus pares, não produziu nada que pudesse justificar os ganhos ao longo deste período. É o político que por mais tempo insistiu que não era político, gozando das benesses do cargo. Ao se eleger deputado contribuiu na eleição da então esposa para vereadora. Depois elegeu os filhos para casas legislativas diversas e, também, inseriu o irmão na política.
A oligarquia familiar que foi constituída é de papel. Não tem base material ou social. E por isso é frágil. Tem a mesma firmeza de quem, no alto, depende de quem segura a escada. Sua base ideológica são os remanescentes do porão da ditadura empresarial-militar que a abertura "lenta, gradual e segura" manteve intacta e que a redemocratização não foi capaz de superar e que hoje sai dos bueiros, tal como o mau cheiro dos cadáveres insepultos.
A base eleitoral permanente do clã bolsonariano são as pensionistas das Forças Armadas, notadamente as filhas solteiras. Há familiares de militares - viúvas, filhas e até netas - que por pouco e irrelevante tempo de serviço prestado às Forças Armadas vivem sucessivamente por décadas do pensionamento militar.
Anuncia-se a Reforma da Previdência que retirará direitos dos trabalhadores assalariados. Mas, a reforma poderia começar pela instituição de um regime único de pensionamento a todos os dependentes, com supressão da pensão às 'filhas solteiras', notadamente quando aptas ao trabalho ou vivendo em uniões estáveis e sendo mães de proles a lhes suceder no 'benefício'.
O governo começa mal. Um deputado pode se eleger por 28 anos fazendo mesuras e tensionando relações, sem compromisso com a aprovação de qualquer projeto. Mas, no Executivo terá que tomar decisões e mostrar a que veio. Terá que produzir resultado positivo, sob pena de se tornar um mero ocupante da cadeira presidencial, sem o exercício dos poderes correspondentes. Os discursos de posse mostraram que o presidente temporário não está qualificado para o segundo papel. Continua no tensionamento e em palanques. Para tensionar haverá muitos. O papel do governante é outro.
Para reduzir a tensão a primeira tarefa pode ser explicar a movimentação de R$ 1,2 milhão na conta do PM que assessorava o filho e o depósito dos R$ 24 mil na conta da primeira dama. Ninguém acreditou na estória do empréstimo, que apenas reforçou suspeita de ocorrências comuns em casas legislativas. Queiroz, elo fraco do clã presidencial, é tratado nas redes sociais como laranja. As instituições podem até não ter funcionado a ponto de conduzir coercitivamente o faltoso a diversas intimações. Tampouco ter ido onde estava para tomar seu depoimento. Mas a sociedade, que é permanente, não deixará tal fato ser varrido para debaixo do transitório tapete presidencial.


Publicado originarimaente no jornal O DIA, em 05/01/2019, pag. . Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/01/5608060-joao-batista-damasceno--oligarquia-laranja.html#foto=1