quarta-feira, 10 de abril de 2019

Genocídio da periferia


A militarização da segurança pública, e as políticas de execuções, têm origem no Brasil com um general. Foi Amaury Kruel, quando chefiava o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) do Distrito Federal, quem instituiu um grupo de homens com autorização para matar. A estes seguiram os `Homens de Ouro´ da polícia carioca condecorados por Carlos Lacerda e os esquadrões da morte durante o regime empresarial-militar, até chegarmos ao presente momento dividido entre a truculência da política de segurança militarizada e o poder dos paramilitares chamados milicianos.

Seja de onde vem o tiro, de traficantes armados por `pessoas de bem´ como o vizinho do presidente da República, de policiais militares em serviço, de milicianos na defesa dos seus interesses ou das tropas do Exército.
O alvo é certo: são moradores da periferia, preferentemente pretos ou quase pretos.
Todos pobres.
As Forças Armadas de qualquer país são treinadas para matar. Seu papel é fazer guerra. Mas, a guerra se faz para a apropriação das riquezas daqueles que são considerados inimigos. Todas as demais justificativas são apenas embustes para justificar a pilhagem. Mas, forças armadas também servem para a proteção de uma nação contra o desejo de pilhagem de outras. No Brasil, as riquezas nacionais estão sendo entregues ao capital internacional, sob as bênçãos das Forças Armadas e o papel que lhes tem sido reservado é o de repressão ao povo brasileiro empobrecido com os saques em seu desfavor. Somente em guerras civis, quando a sociedade se divide, é possível imaginar a atuação de um exército nacional contra seu próprio povo. Mas, no Brasil tais ocorrências têm sido costumeiras.
O Exército treinou como matar pretos pobres no Haiti. E não foi durante a ditadura empresarial-militar que enlutou o país de 1964 a 1985. Foi sob o comando de um governo democrático que conchavou com os inimigos do povo. Em 31 de março de 2014 não se comemorou em quartéis o golpe que atingiu a democracia e o projeto de um Brasil soberano. Mas, o Exército desfilou pelas ruas rumo à Favela da Maré, onde violou sistematicamente a liberdade de locomoção e a dignidade humana dos moradores pobres daquela comunidade.
Os 80 tiros disparados contra um carro que transportava um músico e sua família, dentre os quais uma criança de 7 anos, não é despreparo de quem comandou ou atirou. É um modelo de política de segurança militarizada que poderá resultar em genocídio do povo negro ou pobre da periferia. O `Pacote da truculência´ remetido pelo ministro Sérgio Moro ao Congresso Nacional poderá isentar de pena, por alegação de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção", quem comete este tipo de barbárie.
No entanto, não basta a responsabilização dos executores. É preciso responsabilizar toda a cadeia de comando até o presidente da república, se preciso, com recurso ao Tribunal Penal Internacional. Quem ocupa o trono tem culpa.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 10/04/2019, pag. 9.