segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Uma saída honrosa para Beltrame


“Quem estuda a violência na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e acompanha as fases nas quais se desenvolveu identifica, desde os anos 70, que a atuação dos esquadrões da morte, grupos de extermínio, justiceiros e milicianos decorre de serviços prestados a quem contrata segurança. No fim do ano passado, a Secretaria Estadual de Governo firmou parceria com a Fecomércio visando a instalar patrulhamento privado em áreas públicas, ao custo de R$ 44 milhões. A ideia, que não passara pela análise do secretário de Segurança, foi por ele classificada como ‘milícia oficial’. Hoje enfraquecido, aceitou e elogia a iniciativa dos empresários que usurpam função pública em benefício privado. Entre a capitulação do secretário e sua manutenção em estado vegetativo é melhor que o governo lhe construa uma saída honrosa”.
O governo precisa construir, urgentemente, uma saída honrosa para o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Originário do Rio Grande do Sul, a exemplo de outros que adquiriram notoriedade na área de Segurança e se candidataram a cargo eletivo, é possível que também tenha pretensões eleitorais neste estado. Porém, eleição para cargo federal somente em 2018. Será penoso manter o secretário sangrando por tanto tempo, diante da derrocada dos projetos por ele implantados.
Em 2007, ‘especialistas em segurança’ propuseram a aventura das UPPs, como se as relações sociais que margeiam a rigidez do sistema legal pudessem ser controladas por ocupações militares. O fenômeno da criminalidade se relaciona a práticas sociais, e determinados meios o tornam propício. O sistema de justiça é incapaz de eliminar práticas sociais definidas como crime, mesmo com atuação marcante de agentes públicos em prejuízo de alguns indivíduos.
A crença de que política pública militarizada poderia desarticular a venda de substâncias proibidas pelo estado acabou por expor a vida de policiais a confronto e entregar a outros a exploração de atividades econômicas informais estabelecidas no vácuo da ineficiência, tais como distribuição de gás, TV a cabo, energia elétrica, depósitos de bebidas e transporte alternativo. Com a ilusão das UPPs vieram as obras faraônicas, tipo teleféricos, em benefício tão somente de quem as projetou, executou ou faz a manutenção.
Quem estuda a violência na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e acompanha as fases nas quais se desenvolveu identifica, desde os anos 70, que a atuação dos esquadrões da morte, grupos de extermínio, justiceiros e milicianos decorre de serviços prestados a quem contrata segurança. No fim do ano passado, a Secretaria Estadual de Governo firmou parceria com a Fecomércio visando a instalar patrulhamento privado em áreas públicas, ao custo de R$ 44 milhões. A ideia, que não passara pela análise do secretário de Segurança, foi por ele classificada como “milícia oficial”.
Hoje enfraquecido, aceitou e elogia a iniciativa dos empresários que usurpam função pública em benefício privado. Entre a capitulação do secretário e sua manutenção em estado vegetativo é melhor que o governo lhe construa uma saída honrosa.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 28/02/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-02-27/joao-batista-damasceno-uma-saida-honrosa-para-beltrame.html
 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O Supremo e a derrocada dos direitos


“No julgamento de um habeas corpus o STF mudou seu entendimento e decidiu que mesmo diante do texto da Constituição que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é possível a prisão antecipada. O STF rasgou a Constituição mais uma vez”.
Ao longo da semana, dois assuntos da área jurídica repercutiram na mídia, representando perigoso retrocesso dos direitos dos cidadãos. Um foi a decisão do STF que tornou possível o cumprimento de decisão penal condenatória proferida em segundo grau de jurisdição, antes do trânsito em julgado, e a outra a polêmica em razão da liberdade concedida a um dos acusados de esfaquear e matar a turista argentina na Praia de Copacabana.
No julgamento de um habeas corpus o STF mudou seu entendimento e decidiu que mesmo diante do texto da Constituição que diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” é possível a prisão antecipada. O STF rasgou a Constituição mais uma vez.
Uma pessoa pode ser presa cautelarmente, sem flagrante, por ordem judicial, para evitar que fuja ou que ameace testemunha. Nunca como antecipação da pena. A prisão antecipada pode acarretar o cumprimento de pena indevidamente, se ao fim for absolvida. No caso da prisão cautelar não se está diante da antecipação da pena, mas de garantia para o processo. A decisão do STF relembra a história da Rainha
Louca de Alice no País das Maravilhas. Um dos auxiliares propôs que fossem os acusados julgados, no que ela concordou. Mas disse: “Corte a cabeça. Primeiro a sentença. Depois o julgamento”. Mas houve quem incensou a derrocada do princípio da inocência, tal como a turba assanhada que estimulava Pilatos a condenar um inocente na Judeia há mais de 2.000 anos.
No caso do assassinato da turista argentina a mídia acusou a juiza Daniella Alvarez Prado de haver soltado um dos acusados quando em janeiro lhe fora apresentado em audiência de custódia num caso de furto simples de celular. Disseram que se ela o tivesse prendido por aquele fato não teria cometido o crime de maior gravidade. Em janeiro, quando foi apresentado à juíza, o acusado era réu primário, aos 33 anos. Não tinha condenação anterior e ninguém poderia imaginar que viria a cometer um crime tão bárbaro quanto o latrocínio contra a turista argentina.
A prevalecer o raciocínio de alguns jornalistas, qualquer um poderá ser preso antecipadamente, a fim de que não venha a cometer crime no futuro. Todos estaremos sujeitos a pagar por mal que talvez jamais venhamos a praticar.

 

Raízes e emaranhados da violência urbana


“O mais emblemático crime noticiado pela imprensa, cometido em Nova Iguaçu, foi o assassinato, em 1979, de professora, cunhada de deputado que viria a ser cassado na CPI dos Anões. A empregada do casal — adolescente negra trazida do interior de Minas sem regular contrato de trabalho — foi condenada. Seu nome, Nora Ney. Decorridos três anos da prisão da empregada descobriu-se que os executores ocupavam cargos comissionados na prefeitura e que o mandante era marido da vítima. Os executores acabaram, também, assassinados e o mandante jamais foi a julgamento.
Em São Paulo, o promotor de justiça Hélio Bicudo, na ditadura militar, estabeleceu precisa relação entre os esquadrões da morte e a repressão advinda dos porões da ditadura e levou o delegado Fleury ao banco dos réus. Em Nova Iguaçu, o promotor que denunciou a empregada Nora Ney dá nome ao prédio do Ministério Público naquela cidade”.
Muitas das investigações criminais midiáticas que se realizam no presente momento envolvem personalidades da vida pública na Baixada Fluminense. Com milhões de eleitores, a pobreza é um oásis para os catadores de votos, ainda que residam na Barra ou Zona Sul. O assistencialismo e o clientelismo são meios de manutenção da fidelidade eleitoral, que também se fundamenta na violência. Das prisões de policiais do Bope acusados de fornecer prévias informações a traficantes sobre operações policiais, o jornal O DIA noticiou que um dos acusados prestava serviço de segurança a um prefeito da Baixada.
Quando o senador Lindberg Farias foi prefeito de Nova Iguaçu, o índice de homicídios na cidade despencou. O sociólogo Luiz Eduardo Soares chegou a acreditar que isto resultava do trabalho que fazia com sua equipe na Secretaria Municipal de Valorização da Vida. Mas o que faltava era apoio institucional aos que praticavam homicídios sistematicamente. Nenhum grupo de extermínio se estabelece sem financiamento. Carro, combustível, arma e munição tem custo. Se os beneficiários da ‘segurança marginal’ não custearem, cargos na administração pública hão de ser fonte de custeio daqueles que executam a violência com nomes diferentes ao longo da história da Baixada: esquadrão da morte, mão branca, matadores, justiceiros, grupos de extermínio, milícia etc.
O mais emblemático crime noticiado pela imprensa, cometido em Nova Iguaçu, foi o assassinato, em 1979, de professora, cunhada de deputado que viria a ser cassado na CPI dos Anões. A empregada do casal — adolescente negra trazida do interior de Minas sem regular contrato de trabalho — foi condenada. Seu nome, Nora Ney. Decorridos três anos da prisão da empregada descobriu-se que os executores ocupavam cargos comissionados na prefeitura e que o mandante era marido da vítima. Os executores acabaram, também, assassinados e o mandante jamais foi a julgamento.
Em São Paulo, o promotor de justiça Hélio Bicudo, na ditadura militar, estabeleceu precisa relação entre os esquadrões da morte e a repressão advinda dos porões da ditadura e levou o delegado Fleury ao banco dos réus. Em Nova Iguaçu, o promotor que denunciou a empregada Nora Ney dá nome ao prédio do Ministério Público naquela cidade.
 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 14/02/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-02-14/joao-batista-damasceno-raizes-e-emaranhados-da-violencia-urbana.html

Carnaval, uma ópera em movimento


“O Carnaval está livre da censura. Mas os livros não. Uma decisão judicial recente proibiu a comercialização, exposição e divulgação do livro ‘Minha Luta’ de Adolf Hitler, numa ação ajuizada pelo MP. A comercialização de um livro histórico tem natureza diversa da publicação de obras nazistas com objetivo de propaganda, como decidiu o STF. Diz-se que o livro incita práticas de intolerância. Quem acredita que um livro incita a violência precisa ler mais, inclusive a Constituição, que proíbe a censura. A contraposição ao ideário totalitário do nazismo há se se fazer em outro campo. Jamais com os instrumentos utilizados pelos nazistas”.
O Carnaval carioca é o maior evento organizado do mundo. Em número de participantes somente se compara aos desfiles militares. Mas nestes todos os integrantes fazem o mesmo movimento, sob o comando de um superior, e não há espaço para o improviso ou divertimentos. No Carnaval carioca, os milhares de destaques e passistas cantam, dançam e se divertem num ritmo organizado em tempo cronometrado. É o maior espetáculo da Terra. É uma ópera em movimento feita, em sua maioria, por pessoas que ao longo do ano desempenham outras atividades profissionais. A censura, que historicamente foi desempenhada pela polícia, hoje tem menos rigor com o Carnaval. E quando é exercida o é pelo Judiciário.
A promulgação da Constituição de 1988 estabeleceu a liberdade de manifestação do pensamento e impossibilitou a ocorrência da censura. Mas em muitos casos a apreensão de livros, obras de artes, filmes ou outros meios de manifestação é determinada pelo Judiciário. A censura não está autorizada aos órgãos do Poder Executivo e, por isso, o Judiciário assume, a pretexto de garantia dos direitos, papel que a ninguém foi atribuído.
Em 2009 uma decisão judicial proibiu a venda do livro do historiador e jornalista Paulo Cesar de Araújo sobre a vida de Roberto Carlos. Em 2011, uma juíza da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro, acatando solicitação do DEM, determinou a apreensão do filme ‘A Serbian Film — Terror Sem Limites’, dizendo que fazia “apologia a crimes contra criança e é um incentivo para práticas de pedofilia”. Há muitos outros casos de censura exercidos indevidamente pelo Judiciário.
O Carnaval está livre da censura. Mas os livros não. Uma decisão judicial recente proibiu a comercialização, exposição e divulgação do livro ‘Minha Luta’ de Adolf Hitler, numa ação ajuizada pelo MP. A comercialização de um livro histórico tem natureza diversa da publicação de obras nazistas com objetivo de propaganda, como decidiu o STF. Diz-se que o livro incita práticas de intolerância. Quem acredita que um livro incita a violência precisa ler mais, inclusive a Constituição, que proíbe a censura. A contraposição ao ideário totalitário do nazismo há se se fazer em outro campo. Jamais com os instrumentos utilizados pelos nazistas.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/02/2016, pag. 18. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2016-02-06/joao-batista-damasceno-carnaval-uma-opera-em-movimento.html

 

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Circo sem pão, espetáculo que suprime direitos


“Hoje, atribuem à mídia a espetacularização dos julgamentos. Mas, sem fontes no Judiciário, no Ministério Público e na polícia os jornalistas não fariam suas matérias visando a execrar os acusados, seus advogados ou mesmo os magistrados quando têm a audácia de garantir o direito de quem os detenha”.
Antes da espetacularização da sociedade, analisada por Guy Debord, já se promovia a espetacularização das punições no tempo da Inquisição. A caminho da fogueira para ser queimado vivo, em procissão chamada de Auto de Fé, o condenado era humilhado. Quando mostrava arrependimento, o carrasco era piedoso e o estrangulava antes de acender a fogueira. O espetáculo público de humilhação do herege tinha a função de infringir medo a uns e entusiasmar outros.
Hoje, atribuem à mídia a espetacularização dos julgamentos. Mas, sem fontes no Judiciário, no Ministério Público e na polícia os jornalistas não fariam suas matérias visando a execrar os acusados, seus advogados ou mesmo os magistrados quando têm a audácia de garantir o direito de quem os detenha.
A Constituição assegura que ninguém será preso provisoriamente quando a lei admitir a liberdade provisória. Pelo mesmo motivo ninguém há de ser encarcerado, se por outro meio puder ser responsabilizado criminalmente. Mas, no Brasil, há presos provisórios em casos nos quais da sentença final não poderá resultar prisão.
Em São Paulo, a magistrada Kenarik Boujikian sofre representação por haver libertado, em decisão individual, pessoas presas provisoriamente, enquanto aguardavam julgamento de recursos, além do tempo da condenação lhes imposta. A acusação é que decidiu sozinha e não no órgão colegiado.
No Rio, após deferimento de prisão domiciliar, por desembargador plantonista, o próprio site do TJ estampou notícia informando que o relator do processo revogara aquela decisão e determinara o retorno dos acusados à prisão. Mas não informou que o STJ restabeleceu a decisão do desembargador plantonista.
Diante de nova determinação de prisão, após decisão do STJ, um jornal carioca propagandeou que “donos de OSs terão que voltar para a cadeia”, dizendo ainda que o MP teria dito que os acusados disseram que “manteriam filhos de desembargadores na folha de pagamento de seu conglomerado econômico”. O disse me disse é expressão da irresponsabilidade institucional e jornalística. Mas o fato haverá de ser apurado. O desembargador Siro Darlan solicitou ao presidente do TJ, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, que apure quem seriam os desembargadores beneficiados.