"Se
os agentes de segurança do posto exigiram, mediante o emprego de arma de fogo,
valor devido em razão de danos causados podem ter praticado o crime de exercício arbitrário das próprias
razões. É o que dispõe o art. 345 do Código Penal. Se constrangeram o nadador e
seus amigos, mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, visando a obter
para si ou para seus "empregadores" indevida vantagem econômica,
podem ter cometido o crime de extorsão. É o que dispõe o art. 158 do Código
Penal. Mas, se subtraíram o dinheiro, mediante ameaça, para si ou para seus "empregadores",
estaríamos diante do crime de roubo, descrito no art. 157 do Código Penal, com
a qualificadora do emprego da arma de fogo".
Pouco sei sobre as ocorrências envolvendo
o nadador estadunidense Ryan Lochte e demais atletas envolvidos em confusão na
Barra da Tijuca em posto de gasolina. As informações são desencontradas, a
mídia não ajuda no esclarecimento, a policia mais confunde que esclarece e a
xenofobia não nos permite olhar um estrangeiro com isenção numa situação
destas. Ainda mais alguém oriundo dos EUA, país que a maioria da população brasileira
ama, inveja e odeia alternadamente.
Sempre respeito um estadunidense que encontro fora dos EUA. Deve
ser alguém com ciência de que o mundo não se limita ao seu país. Maior respeito
tenho quando os encontro em países periféricos e não na Europa. Isto porque os
estadunidenses se bastam e dois terços dos congressistas dos EUA nunca saíram
do país e metade não tem sequer passaporte. Fora dos EUA em mais de uma
oportunidade já vi estadunidenses com dificuldades de comunicação se
perguntando porque as pessoas não falam inglês por onde eles passam. Os
estadunidenses que viajam pelo mundo esperam que os povos originários aprendam
a língua deles para lhes facilitar a comunicação. E o problema no posto de
gasolina pode ter sido de comunicação. Assim, como as versões do nadador e de seus
amigos.
Se alguém me aponta uma arma para
receber o que devo considerarei tal fato crime de exercício arbitrário das
próprias razões. Mesmo que eu seja devedor de determinada quantia a lei não
autoriza que meu credor obtenha seu direito fazendo justiça com as próprias
mãos. Diz o art. 345 do Código Penal que fazer justiça pelas próprias mãos,
para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite, é
fato punível. E são poucos os casos em que o Direito o permite. Uma das
exceções é a legítima defesa.
Ao longo de 8 anos de exercício de
advocacia e 23 anos de magistratura aprendi a desconfiar de muitas das investigações
policiais. O caso da Escola Base em São Paulo é emblemático e expressa o que o
consórcio mídia-polícia-opinião pública pode provocar.
Em momento no qual o juiz Sérgio Moro
avoca para si todos os feitos relacionados às relações políticas do partido no
qual se desfere golpe de Estado parlamentar-midiático-judicial, por considerar
existente conexão em todos os fatos e relações, causa estranheza o indiciamento
da jornalista que acusa o deputado Marcos Feliciano de assédio sexual pela
polícia de São Paulo. Se o crime de assédio sexual há de ser apurado com
autorização do STF, por ter o deputado foro privilegiado, pelas razões
invocadas pelo juiz Sérgio Moro nos milhares de processos da operação Lava Jato,
há de ser reconhecida a conexão de eventual falsa comunicação de crime praticado
pela jornalista. O desmembramento da apuração criminaliza a possível vítima e
isenta o deputado de possível crime de assédio sexual, cujos indícios se
expressam pela troca de mensagens nas redes sociais com a assediada.
Já vivenciei situação na qual um
empregado de empresa do pool da maior igreja neopentecostal do Brasil foi
torturado no interior de um templo suburbano para assinar rescisão de contrato
de trabalho e devolver no mesmo dia do recebimento do aviso prévio o
apartamento funcional que ocupava e o carro no qual se transportava. Na 44a
Delegacia Policial um dos inspetores falava ao rádio com os milicianos torturadores.
O delegado autuou a vítima de tortura por apropriação indébita do carro, por
não o ter devolvido imediatamente no momento da notificação do aviso prévio,
quando tinha direito aos salários direto e indireto até o dia da efetiva
rescisão contratual, e nenhuma diligência promoveu para identificar quem eram
os milicianos com quem seu auxiliar falava por rádio. O fato custou à igreja o
pagamento judicial de uma indenização de cerca de R$ 300.000,00. A vítima não
foi processada porque um membro do Ministério Público entendeu a farsa que se
montou na delegacia em conluio com a marginalidade religiosa. O Ministério
Público e o Poder Judiciário podem atuar como garantidores dos direitos e
efetivação da ordem jurídica, quando em prol da justiça atuam seus membros.
No Brasil morrem cerca de 60.000 pessoas
por ano em razão de violência. E não se vê a eficiência policial para apurar
tais ocorrências. Muitas delas são decorrentes de execuções por agentes públicos
e a farsa dos autos de resistência legitimam tais homicídios.
Mesmo quando se tem algum tipo de
apuração não faltam farsas nas perícias. No Caso Juan, criança assassinada pela
policia que desapareceu com o corpo, a perícia oficial chegou a atestar que não
se tratava da vítima. Mas, de um corpo do sexo feminino. O Caso RioCentro é o
mais emblemático da farsa oficial e serve de paradigma para a atuação do Estado
brasileiro.
A versão de que houvera destruição da
loja de conveniência não se comprovou. A versão da polícia de que o banheiro tenha
sido depredado não se confirmou. Sequer que um espelho fora quebrado. As
imagens mostram o nadador rasgando um cartaz no posto. Não poderia fazê-lo.
Mas, a atuação de agentes estatais armados, atuando fora do exercício de suas
funções oficiais, é preocupante.
Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa
alheia é crime de dano. Está tipificado no art. 163 do Código Penal. Diante de
eventual crime de dano poderiam os funcionários do posto ou mesmo os "seguranças"
ter dado voz de prisão aos autores do fato. Tal permissão está contida no art.
301 do Código de Processo Penal. Qualquer um do povo pode prender em flagrante
e as autoridades e seus agentes devem. Mas, não podem fazer justiça com as
próprias mãos. Deveriam ter chamado a polícia ou conduzido os autores do crime
para a delegacia policial mais próxima.
Assim como as versões dos atletas, mídia
e policia também apresentaram versões variadas. O chefe da polícia, o mesmo que
negou a existência de estupro coletivo de uma adolescente em data recente, declarou
que não sabe se houve extorsão por partes dos "seguranças" no posto.
Eu não sei distinguir "segurança" de "miliciano", salvo
quando a segurança é regularmente contratada. Tenho adotado o critério de que
segurança privada é atividade regulamentada e demanda contratação regular do
serviço para receber tal qualificação. Considero a atuação privada de agentes
públicos da área de segurança, sem regular e formal contratação pelos tomadores
do serviço privado, como atividade miliciana ou paramilitar. E é a existência
deste tipo de atividade na Barra da Tijuca que foi negligenciada no caso,
enquanto se acusava o "gringo" de haver ferido o orgulho nacional.
Se os agentes de segurança do posto
exigiram, mediante o emprego de arma de fogo, valor devido em razão de danos
causados podem ter praticado o crime de
exercício arbitrário das próprias razões. É o que dispõe o art. 345 do Código
Penal. Se constrangeram o nadador e seus amigos, mediante grave ameaça com
emprego de arma de fogo, visando a obter para si ou para seus
"empregadores" indevida vantagem econômica, podem ter cometido o
crime de extorsão. É o que dispõe o art. 158 do Código Penal. Mas, se subtraíram
o dinheiro, mediante ameaça, para si ou para seus "empregadores", estaríamos
diante do crime de roubo, descrito no art. 157 do Código Penal, com a qualificadora
do emprego da arma de fogo.
Não se pode descartar a possibilidade de
que tanto a polícia quanto os atletas tenham ou estejam fabricando versões para
as ocorrências. Com a embriaguez dos atletas e a barreira linguística não é
pouco razoável supor que os atletas tenham interpretado tal ocorrência como
roubo ou extorsão. Um deles, ao retornar aos EUA, chegou a postar que entendeu
que a exigência de dinheiro lhes formulada por homens armados em trajes civis
teria sido uma condição para serem postos em liberdade. Um dos nadadores diz
que um dos "seguranças" chegou a mostrar distintivo. Isto lhe teria
causado a impressão de falsidade de tal signo da atuação estatal. Somente a
compreensão do que seja o patrimonialismo ajuda a esclarecer a prática comum no
Brasil, onde se confundem a atuação de agentes públicos e os interesses
privados em proveito particular, em prejuízo da república.
A cobertura da mídia foi desproporcional
à relevância do fato. A atuação policial e o seu esforço despendido são risíveis
considerando que no período das Olimpíadas 23 (vinte e três) agentes da área de
segurança foram baleados, sendo dezenove (19) policiais militares, três (03) policiais
civis e um (01) policial rodoviário federal, do que resultou na morte de seis
(06) agentes. Treze (13) das ocorrências envolveram agentes no exercício de
suas funções e sete (07) foram em favelas tidas como "pacificadas".
Tomara que o caso, independentemente da
responsabilidade dos atletas, chame a atenção para problemas reais a serem
enfrentados. É bom que tal fato tenha acontecido envolvendo atletas olímpicos
oriundos dos EUA. Isto chama a atenção para a atuação de "segurança" privada
admitida sem regular contratação e sem controle estatal e que se denomina, em
muitos casos, como o atuação paramilitar ou milícias. Fosse na periferia, com
jovens negros ou pobres, certamente não estariam vivos para suscitar a polêmica
e expor parte do Brasil que subsiste sob a indiferença do sistema de justiça e
da mídia.