segunda-feira, 20 de outubro de 2025

STF, instituições e identitarismo

Quando aluno de Ciências Sociais, no IFCS/UFRJ, um colega afirmou em sala que as mulheres são mais sensíveis e melhores na direção das instituições. A professora, notável antropóloga brasileira, questionou a afirmativa: “Que pesquisa você fez que comprova sua hipótese?” Apesar de professora associada à Fundação Ford, instituição estadunidense que contribuía com a construção das bases ideológicas que afastavam a sociedade brasileira de referências opostas aos interesses estadunidenses, tinha honestidade intelectual. Em seguida, citou nomes de mulheres que exerceram poder com mão de ferro ou desumanidade.

A primeira a ser citada foi Margaret Thatcher, apelidada de “dama de ferro”, primeira-ministra do Reino Unido e cuja imagem até hoje é usada para amedrontar os eleitores britânicos que pensam em votar nos conservadores. Seguiram-se Golda Meir, Benazir Buttho, Imelda Marcos, Violeta Chamorro e outras.

Golda Meir foi primeira-ministra de Israel de 1969 a 1974. Embora as Cortes internacionais de justiça não a tenham condenado por crimes contra a humanidade e genocídio, não há quem deixe de lhe imputar tais crimes. Teria ordenado operações de caça e assassinato, pelo Mossad, de opositores do sionismo, seus familiares e membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), além de negar a possibilidade de existência do povo palestino. Benazir Bhutto, primeira-ministra do Paquistão de 1988 a 1990 e de 1993 a 1996, foi figura emblemática do Partido Popular do Paquistão. Imelda Marcos, conhecida como "Borboleta de Ferro", exerceu várias funções ativas no governo das Filipinas. Foi governadora da região metropolitana de Manila, ministra dos Assentamentos Humanos, deputada na Assembleia Nacional e embaixadora extraordinária e plenipotenciária. Violeta Chamorro, oligarca dona de uma empresa de comunicação na Nicarágua, foi a expressão política dos Contras que lutavam contra a Frente Sandinista de Libertação Nacional, responsável por derrubar a ditadura de Anastasio Somoza. Foi eleita presidenta em 1990. Os Contras, guerrilha anti sandinista, e o jornal de Violeta Chamorro eram financiados pelos Estados Unidos, por meio da Central Intelligence Agency (CIA), com recursos advindos de tráfico de armas e drogas, no que ficou conhecido como Caso Irã-Contras. Órgãos e autoridades estadunidenses financiavam seus parceiros na Nicarágua com o produto da traficância. Violeta Chamorro não expressou a vitória de uma mulher na Nicarágua, mas dos interesses estadunidenses contra o povo nicaraguense. Pouco importava o gênero. O que os EUA precisavam era de fantoche que lhes garantisse a apropriação das riquezas daquele país.

Depois de falar sobre estrangeiras chefes de estado, a professora falou de Lygia Lessa Bastos e Sandra Cavalcanti, personagens femininas brasileiras cujas atuações políticas se caracterizaram pela desumanidade no trato com os direitos dos excluídos. A remoção das favelas e alocação dos seus moradores em lugares distantes, favorecendo a especulação imobiliária na Zona Sul do Rio de Janeiro, foi uma dessas políticas. Mas aconteceram coisas piores.

Atualmente, a premiação da venezuelana Maria Corina Machado com o Prêmio Nobel da Paz, ao invés de significar a luta de uma mulher pela democracia na Venezuela, tem o objetivo de preparar uma incursão militar dos EUA naquele país para subtrair seu petróleo. Sua premiação está a serviço do imperialismo e do colonialismo.

Em momento no qual os critérios identitários são propostos como fundamento para a próxima escolha para o STF, é relevante refletirmos sobre a questão. Será tal critério o que melhor atende aos interesses sociais ou pode servir para camuflar outros interesses? Que a sociedade manifeste seus desejos de representação é legítimo. Mas a pressão de membros de poder ou de empresas de comunicação é indevida ingerência na prerrogativa de escolha do presidente da República.

Quando da implicância desarrazoada com o Programa Mais Médicos, o humorista José Simão escreveu que pouco importava se o médico era Cubano, Venezuelano, Colombiano ou Boliviano. O que ele esperava é que o médico fosse humano. O Presidente Lula já caiu no conto do identitarismo, com acentuado custo para a sociedade. Que a indicação recaia sobre quem tenha compromisso incondicional: com os valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito; com a realização substancial e não apenas formal dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito; com a defesa da independência do Poder Judiciário não só perante os demais poderes como também perante grupos de qualquer natureza, notadamente os econômicos e internos da magistratura representativos do patrimonialismo; com a democratização da magistratura, seja no ingresso, nas condições do exercício profissional e na ascensão funcional; com o fortalecimento das prerrogativas funcionais da magistratura de primeira instância, acessada por concurso; com a Justiça considerada como autêntico serviço público que, respondendo ao princípio da transparência, permita ao cidadão entender os mecanismos de seu funcionamento; com a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista e a difusão da cultura jurídica democrática, bem como consciência de que a função judicante há de ser exercida para a proteção efetiva dos direitos da pessoa humana, individual e coletivamente considerada, notadamente os vulneráveis. Seja quem for com estas características, o presidente da República estará repetindo o virtuoso comportamento do presidente Afonso Pena quando indicou Pedro Lessa, conforme relato do ex-ministro do STF Paulo Brossard.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 18/10/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/10/7147462-joao-batista-damasceno-stf-instituicoes-e-identitarismo.html

 

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

CET-Rio interdita entorno do Maracanã para jogos e torna inviável funcionamento da UERJ. Cartolagem e negócios desportivos ou educação e ciência? Que opção há de fazer o Brasil?

CET-Rio interdita entorno do Maracanã para jogos e torna inviável funcionamento da UERJ. Cartolagem e negócios desportivos ou educação e ciência? Que opção há de fazer o Brasil?

E inadmissível o descompromisso com a educação neste país. Um jogo de futebol impede que alunos e professores tenham acesso a uma universidade. Já vivenciei situação de impedimento de chegada à faculdade e ter que voltar do ponto de interdição.

Isto é algo que o prefeito e o governador precisam se ocupar. Um jogo de futebol não pode impedir o funcionamento de uma universidade. Ou educação é mero discurso a se fazer em tempo de eleição?

A notícia publicada no site da CET-RIO é a seguinte:

CET-Rio preparou esquema especial de trânsito para jogo no Maracanã - Marcos de Paula/ Prefeitura do Rio

A CET-Rio montou um esquema de trânsito para o jogo entre Fluminense e Juventude, nesta quinta-feira (16/10), às 21h30, no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro. A partir das 19h30 haverá interdições ao tráfego de veículos na região do estádio. E, além dos locais regulamentados com proibição de estacionamento, outras vias estarão restritas a partir das 10h.

A operação contará com agentes da CET-Rio e apoiadores, veículos operacionais e motocicletas que estarão empenhados na orientação do trânsito. E, ainda, no reforço das informações do trânsito, 13 painéis de mensagens variáveis informarão sobre os horários dos fechamentos e as rotas alternativas. Todo o conjunto é em prol da segurança viária, fluidez do trânsito, manutenção dos cruzamentos livres, como também na orientação dos pedestres, torcedores e motoristas.

Técnicos da CET-Rio no Centro de Operações Rio (COR) vão monitorar toda a movimentação do trânsito por meio das câmeras para que, se necessário, sejam feitos ajustes na programação semafórica com o objetivo de garantir as boas condições viárias.

 

Interdições

 

Das 19h30 (16/10) à 1h30 do dia seguinte (17/10)

– Rua Professor Eurico Rabelo

– Rua Artur Menezes Rua Conselheiro Olegário

– Rua Isidro de Figueiredo

– Rua Visconde de Itamarati, entre a Rua São Francisco Xavier e a Rua Professor Eurico Rabelo

– Avenida Rei Pelé, duas faixas no sentido Centro, entre a Avenida Professor Manoel de Abreu até a altura do Museu do Índio

– Avenida Maracanã, sentido Centro, entre a Rua São Francisco Xavier e a Rua Mata Machado

 

Das 23h10 (16/10) à 1h30 do dia seguinte (17/10)

– Avenida Professor Manoel de Abreu, sentido Centro, entre a Rua São Francisco Xavier e a Avenida Rei Pelé

– Rua Dona Zulmira, entre a Avenida Professor Manoel de Abreu e a Rua São Francisco Xavier

 

Proibição de estacionamento

Das 10h (16/10) à 1h30 do dia seguinte (17/10)

– Rua Professor Eurico Rabelo

– Rua Visconde de Itamarati, entre a Rua São Francisco Xavier e a Rua Professor Eurico Rabelo

– Rua Isidro de Figueiredo

– Rua Artur Menezes

– Rua Conselheiro Olegário

– Avenida Paula Sousa, lado esquerdo, entre a Rua São Francisco Xavier e a Rua Professor Eurico Rabelo

Rotas alternativas

Provenientes do Centro e Zona Sul

– Para a Tijuca: utilizar a Avenida Paulo de Frontin e Rua Dr. Satamini, ou seguir pela Praça da Bandeira, Rua Pará ou Rua Paraíba e, em seguida, Rua Mariz e Barros

– Para Vila Isabel e Grajaú: utilizar a Avenida Paulo de Frontin e Rua Dr. Satamini, ou seguir pela Praça da Bandeira, rua Pará ou Rua Paraíba, Rua Mariz e Barros e, em seguida, Rua Major Ávila e Rua Felipe Camarão

– Para a região do Grande Méier: utilizar a Rua Visconde de Niterói

Provenientes da Tijuca, Grajaú, Vila Isabel e entorno

– Para o Centro e Zona Sul: utilizar a Rua Conde de Bonfim e a Rua Haddock Lobo

Provenientes do Grande Méier

– Para o Centro e Zona Sul: utilizar a Rua Visconde de Niterói

 

Fonte: https://prefeitura.rio/cet-rio/cet-rio-monta-esquema-de-transito-para-jogo-do-fluminense-no-maracana-5/

 


sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Popó, Wanderlei Silva, Neoliberalismo e barbárie

Ao longo da história as sociedades se organizaram com fundamentos em valores e princípios que lhes possibilitaram existir. Suas instituições tinham a função de referência de ordem e redutoras das incertezas do futuro. Chegamos ao século XX com a consciência de que a riqueza socialmente produzida precisava ser repartida e todos tinham o direito à participação na organização e destino da sociedade. O século XX foi a Era de Ouro do mundo do trabalho. Mas assistimos à derrocada de tal modelo e a vida se precariza.

As novas tecnologias dispensam massivos contingentes de mão de obra. A desregulamentação precariza as relações de trabalho e difunde-se a ideia de que cabe a cada um, por seus próprios meios, atingir seus objetivos. Tudo é desregulamentado, menos a propriedade. Tudo se transformou em mercadoria. Até a água teve sua natureza alterada. Desde 1997, no Brasil, água é bem econômico. Não mais é bem natural a todos acessível e sua captação não mais é livre.

O “Vale-Tudo” nos ringues foi renomeado de MMA. Mas ainda não há nome para designar o vale tudo nas relações sociais. Não é fascismo, evento que ocorreu na metade do século XX, nem é fenômeno que possa ser designado pela adjetivação do nome de indivíduo que simboliza a boçalidade. A selvageria que estamos revisitando está expressa na conduta de certos indivíduos, mas com eles não pode ser confundida. São bárbaros, mas não inventaram a barbárie. São incultos, mas não inventaram a ignorância. São negacionistas, mas não inventaram a irracionalidade.

Na semana passada a luta armada entre Popó e Wanderlei Silva, no Spaten Fight Night, foi exemplificativa do tempo no qual vivemos. O esporte, que é meio de exercício civilizado da violência própria da natureza animal do ser humano, foi igualmente afetado pelo desvalor que triunfa. Dois veteranos dos ringues, um no boxe, outro no MMA, nos deu a dimensão do fenômeno no qual estamos imersos. O boxe já foi proibido no Brasil, dada a sua lesividade e já teve negada sua natureza esportiva. O espetáculo, entre os gladiadores aposentados, patrocinado por uma cervejaria, não foi um evento esportivo. Tratou-se apenas de entretenimento para vender ingresso e gerar repercussão, tal como fazem-se nas rinhas de galo, lutas de cães ou arremesso de anão. Foi o espetáculo da barbárie contemporânea.

No ringue, um dos gladiadores ignorou as regras, cabeceou ilegalmente o oponente e acabou desclassificado. O vencedor foi aclamado por mera formalidade. Quem pagou para ver aquilo ou quem ficou acordado para assistir mereceu o que teve. Mas a bizarrice não acabou. As equipes dos gladiadores entraram em campo e ofertaram um aprimoramento da incivilidade: socos, chutes, empurra-empurra, nocaute depois do confronto, nariz quebrado, sangue e muito mais.

A rusticidade, com toda sua crueza, nos leva a refletir sobre as relações sociais no tempo presente, notadamente as relações que envolvem a política, a governabilidade e a administração do que é público. O evento era a própria desregulamentação da vida social demandada pelo anarcocapitalismo onde, tal como no Estado de Natureza, inexiste regra de bem viver e vale a lei do mais forte. O evento em si foi falso, não tinha qualquer importância, o primado foi o da violência injustificada e todos perderam, tanto os gladiadores, seus auxiliares e quem assistiu. Somente quem arrecadou na bilheteria pode se dizer ganhador.

O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, acreditou termos vencido a incivilidade e a nomeou com adjetivo que é pouco para a definição. Precisamos de um nome. A lógica da luta tem o mesmo código do fenômeno que perpassa as atuais relações sociais: ignorância, violência, encenação, fake news e desprezo pelos valores civilizatórios. Já não é a sociedade do espetáculo. É o espetáculo do que é grotesco, ridículo, extravagante, da fanfarronice e da presepada sem base sólida que lhe dê sustentação, a não ser a polarização volátil em proveito de quem lucra.

O que se viu é corrosivo da civilidade. Não há vencedor nessas condutas, seja no ringue ou na arena política. Quem participa, assiste ou torce é um perdedor. Perdemos todos, pois tais condutas são as pás com as quais se cavam a sepultura do que a humanidade construiu ao longo da sua existência. O fenômeno no qual estamos mergulhados é corrosivo da civilidade e destrutivo da humanidade.

Os dois personagens e seus asseclas são a expressão do fenômeno que nos apavora. Aquele ringue era o extrato do pensamento social que permeia as relações atuais no Brasil. Se era boxe não tinha lugar para cabeçada nem chute. Mas como exigir respeito às regras se no vale tudo da vida social a norma é o golpe violador da regra, o desejo de anistia ou a redução da penalidade? Em carne e osso (embora fraturado) o estilo visto no ringue é o vigente na atualidade. Este é o esporte que o fenômeno ainda inominado difunde.

É o Vale-Tudo, onde o mais forte tritura o mais fraco. É o espetáculo da destruição sem pretensão de reconstruir algo que possa ficar no lugar. É a técnica do gafanhoto que a tudo devora e destrói. O mais estiloso é o que aplica o golpe mais baixo, tem a ignorância como metodologia e a terra arrasada como projeto a ser concluído. É possível dizer ao Wanderlei Silva: “Perdeu Mané! Mas relaxe! Com a difusão de tais modos incivilizados, perdemos todos. E perderemos muito mais se continuarmos por onde estamos indo. Perdoemo-nos! Anistiemo-nos! A anistia apaga tudo, para recomeçarmos do mesmo modo”.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 04/10/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/10/7139644-joao-batista-damasceno-popo-wanderlei-silva-neoliberalismo-e-barbarie.html

 


Filhotes da ditadura, o fim do ciclo

 

O golpe militar proclamador da República propiciou que a classe fardada passasse a se arvorar tutora das instituições republicanas e nelas interviessem quando julgasse conveniente. Em todas as intervenções, tentadas ou consumadas, os militares atuaram no interesse das próprias corporações, na defesa da classe dominante ou de interesses estrangeiros, ainda que sob outras justificativas.

Pela Constituição de 1891 caberia ao STF dizer o direito com independência, mesmo quando os conflitos envolvessem matéria política. Muitas das vezes o STF abdicou do seu dever de dizer o direito sob o fundamento da “objeção do caso político”. Ao judiciário cabe dizer o Direito com base no que for alegado e provado, mesmo que envolva interesses políticos. João Mangabeira, por ocasião da comemoração do centenário do nascimento de Rui Barbosa, disse que o Supremo foi quem mais falhou na República, pois não exerceu os poderes que lhe competiam, deixando o espaço ser ocupado por quem não deveria se imiscuir na ordem interna.

Os militares se pretenderam eminências pardas na República e já no seu nascedouro tentaram um golpe contra o terceiro presidente civil, Rodrigues Alves, em 1904. Os golpistas valeram-se da insuflada Revolta da Vacina. Todo golpe tem o anteparo de alguma inquietação popular provocada, incentivada ou espontânea. Dezenas de mortos e centenas de feridos foi o resultado da tentativa frustrada. A pretexto de pacificar a sociedade, os golpistas foram anistiados.

Em 1922 jovens tenentes atentaram contra o Estado no governo de Epitácio Pessoa. O evento dos 18 do Forte de Copacabana reuniu golpistas de diversas matizes que permaneceram unidos por décadas até a consumação do golpe de 1964. Arthur Bernardes, um presidente nacionalista, governou sob ameaça de golpe e com estado de sítio de 1922 a 1926. O Clube Militar estava ativo na atividade golpista, difundindo documentos falsos. O triunfo da Revolução de 30 implicou anistia a todos e promoção dos golpistas. Getúlio Vargas tomou posse em 03 de novembro de 1930, mas a deposição do presidente Washington Luís fora feita em 24 de outubro. O golpe de 1930 destituiu o presidente em exercício e impediu a posse do presidente eleito.

Em 1937 mais uma falsidade documental contribuiu para o golpe. O Capitão Olímpio Mourão Filho elaborou um documento falso e o levou ao comando das Forças Armadas. Com base nele foi instituído o Estado Novo. Quem apoiou o presidente Vargas no golpe de 1937 o destituiu em 1945. A partir de então o Estado estava sequestrado pelas corporações fardadas.

Em fevereiro de 1954 foi lançado o Manifesto dos Coronéis contra o aumento do salário-mínimo em 100%. Com isso derrubaram o Ministro do Trabalho João Goulart. Não foram punidos. Em agosto de 1954, militares da Aeronáutica a serviço da UDN e vinculados a interesses escusos, levaram o presidente Vargas ao suicídio. Vargas morreu, mas deixou a carta-testamento denunciando os interesses que o destituíram da presidência.

Em 1955, um coronel lotado na ESG discursou na presença do Ministro do Exército, Marechal Lott, dizendo-se contrário à posse de Juscelino Kubitscheck e do vice João Goulart. O presidente Café Filho se licenciou para suposto tratamento de saúde e o presidente da Câmara assumiu, ratificando o posicionamento do golpista coronel Mamede, demitindo o Marechal Lott do comando do Exército. Lott deu um contragolpe preventivo, destituiu o presidente interino, impediu o retorno de Café Filho, e deu posse a JK em 31 de janeiro de 1956. O golpe preventivo foi submetido ao STF e o ministro Nelson Hungria disse que não deferiria habeas corpus contra o Exército porque as espadas dos militares eram verdadeiras e a dele mero adereço de gesso no teto ou pinturas nas paredes. O voto do ministro está acessível no site do STF.

Durante seu mandato JK sofreu duas tentativas de golpe. Aragarças e Jacareacanga, além de ato de indisciplina de oficiais da Aeronáutica. A pretexto da pacificação todos foram anistiados. Manifesto chegou a ser divulgado pelos golpistas no sentido de que as feridas deveriam ser cicatrizadas e não mantidas expostas. Em 1961, ante a renúncia do presidente Jânio Quadros, a elite militar tentou impedir a posse do vice-presidente João Goulart. A posse foi garantida pela Campanha da Legalidade liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola.
Em 01 de abril de 1964 todos os que haviam sido anistiados estavam unidos no golpe-empresarial militar que infelicitou o povo brasileiro por 21 anos. Agora general, Olímpio Mourão Filho, golpista de 1937, foi quem partiu de Juiz de Fora em 31 de março dando início ao golpe, inaugurando um período sombrio de torturas, assassinatos, desaparecimentos, roubos, estupros e outras perversidades, além de cercear um projeto de soberania nacional e vender o futuro do país ao capital internacional.

Com a morte do general-presidente Costa e Silva, o vice Pedro Aleixo foi impedido de assumir. Um golpe interno afastou o general Albuquerque Lima da sucessão, levando o general Médici à presidência. Os gorilas da Linha Dura reinaram, escancarando a ditadura. Em 1977 o general Sylvio Frota, que tinha o então coronel Heleno, agora general condenado pelo STF, como ajudante de ordens, tentou um golpe no general-presidente Geisel. No início dos anos 80 militares colocavam bombas pelo país a fim de causar clamor popular e darem um golpe contra a redemocratização. Mas uma bomba explodiu no colo dos terroristas fardados, durante um show para jovens no Riocentro. Todos os militares que tentaram golpes e foram anistiados estiveram envolvidos em golpes, tentados ou consumados, posteriores. Isto porque os criminosos soltos costumam voltar aos locais dos seus crimes.

 

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 20/09/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/09/7132110-joao-batista-damasceno-filhotes-da-ditadura-o-fim-do-ciclo.html