“O Caso Rafael
Braga retrata o que é criminalização da pobreza. Morador de rua, em 20 de junho
de 2013 foi preso porque levava duas garrafas plásticas, de água sanitária e
detergente, com o que limpava locais onde dormia durante a semana, por falta de
dinheiro para ir para casa todo dia.
“Rafael foi acusado
de portar coquetéis molotov. Não houve perícia em fase judicial. A prova
técnica foi a policial, tomada como verdadeira para a condenação, mesmo
concluindo pela pequena capacidade de combustão do material apreendido. Mas, o
pior: a denúncia acusou Rafael de fatos cometidos em 21 de junho, um dia após
já estar preso”.
O Caso Rafael Braga retrata o que é
criminalização da pobreza. Morador de rua, em 20 de junho de 2013 foi preso
porque levava duas garrafas plásticas, de água sanitária e detergente, com o
que limpava locais onde dormia durante a semana, por falta de dinheiro para ir
para casa todo dia.
Rafael foi acusado de portar
coquetéis molotov. Não houve perícia em fase judicial. A prova técnica foi a
policial, tomada como verdadeira para a condenação, mesmo concluindo pela
pequena capacidade de combustão do material apreendido. Mas, o pior: a denúncia
acusou Rafael de fatos cometidos em 21 de junho, um dia após já estar preso.
Uma condenação ou absolvição se
produz se os relatos se encaminham a favor ou contrariamente ao acusado. Em
alguns casos, hipóteses passam a ser tratadas como versões e depois como
ocorrências. Pouco importa se o objeto tinha capacidade de combustão.
A sentença repete que a ocorrência do
fato criminoso se dera no dia 21 de junho. Em se tratando de um homem pobre e
negro pouco importa o fato; se este ou aquele, bem como o tempo, se num ou
noutro momento. Algum fato deve ter cometido, em algum tempo. O que interessa
para o Estado Policial é que alguém pague para demonstrar sua capacidade de ser
perverso.
Mesmo com imputação de fato em dia no
qual não poderia praticá-lo Rafael acabou condenado a quase cinco anos de
prisão. Fato é uma ocorrência concreta no mundo natural. Sua descrição há de
ser minuciosa. Se Pedro matou José, mas a acusação é de que matou João há de
ser absolvido. Pedro há de ser responsabilizado pelo que fez a José. Não é
admissível a compensação dos fatos: pagar pelo que não fez por ter deixado de
pagar pelo que fez.
Rafael nem parece compreender o mundo
no qual está inserido. Um ano e meio de prisão não o fez raivoso. Das torturas
que sofreu diz que apenas apanhava quando se esquecia de tratar os carcereiros
de senhor. Imputa as torturas às suas próprias falhas: “Tirando estes castigos
por causa das minhas displicências, correu tudo bem.”
Quem opera o sistema, por vezes, não
concebe o inferno do mundo dos excluídos nem as agruras dos submetidos ao
sistema penitenciário. E, por isso, há menos justiça quando se trata de pobres.
A situação de Rafael poderia ser pior. Salvou-o o trabalho de jovens advogados
do Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos (DDH).
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 23/11/2014, pag. E5. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-11-22/joao-batista-damasceno-o-caso-rafael-braga.html