No próximo dia 20 completarão 10 anos da maior manifestação popular carioca, dentre as muitas que se realizaram em 2013. Havia um milhão de pessoas nas ruas. Tudo transcorria como expressão legítima da democracia, até que se iniciaram confrontos de alguns poucos com o aparato repressivo do Estado, que se voltou contra todos.
Naquela e em outras manifestações
foram muitos os registros de pessoas que promoviam atos de vandalismo e depois
se refugiavam no meio dos policiais que reprimiam os demais. “Bandeira falsa” é
expressão conhecida para designar este tipo de prática e consiste em uma ação hostil executada com o objetivo de atribuir
ato impopular a quem não é seu verdadeiro autor, de modo a justificar, junto à
opinião pública, a adoção de medidas de exceção – como repressão política,
guerra ou golpe de estado.
Em 30 de abril de 1981 militares do
Exército arquitetaram a colocação de bombas durante um show musical no
Riocentro, onde matariam milhares de jovens. O objetivo da “linha-dura” do Exército
Brasileiro era atribuir a carnificina a organizações de esquerda, justificar o
aumento da repressão e impedir a abertura política. O plano fracassou porque
uma das bombas explodiu no colo do sargento Rosário, matando-o, e ferindo o
Capitão Machado, que - protegido - seguiu carreira até se reformar como
coronel.
Grupos sociais diversos ainda
disputam a narrativa sobre as Jornadas de Junho de 2013. Não é correto
afirmar-se que eram atos preparatórios para o que seria o golpe parlamentar que
destituiu a Presidenta Dilma, nem para a ascensão do obscurantismo que tomou
conta do país no período subsequente. Ao contrário, a repressão às legítimas
forças populares e a proteção estatal aos grupos truculentos foi que recolocou
no palco político aqueles que desde o fim da ditadura empresarial-militar se
escondiam nos porões.
Analisando a ascensão do obscurantismo nos últimos
tempos o ministro Gilmar Mendes, do STF, abordou – em evento em Lisboa - o
fomento a atos golpistas e ataques às instituições democráticas
brasileiras. O ministro afirmou que o país "estava sendo governado por uma
gente do porão", que exercia influência sobre "zumbis consumidores de
desinformação". Também ressaltou o papel de agentes públicos que,
presumivelmente, trabalharam com a ideia de um golpe militar e que
representariam "um grande problema para a democracia atual". Conforme
disse o ministro, haveria agentes públicos "adestrados" na
"cartilha de um fanatismo político ignóbil".
O rumo que as coisas tomaram não era o que
sociedade almejava quando se manifestou em 2013. A frustração com o que ocorria
no Brasil foram as reais causas daquelas manifestações, que não foram
compreendidas e propiciaram a retirada do povo das ruas, em decorrência de
brutal repressão, liberando os espaços públicos para grupos truculentos, que
jamais foram incomodados.
Antes das manifestações já se davam sinais do
descontentamento. Os distúrbios num fim de semana no início de 2013, no
subúrbio carioca, decorrentes do boato de que na segunda-feira os valores
depositados a título de bolsa família seriam confiscados, levou milhares de
pessoas aos caixas eletrônicos para saques. Quando o dinheiro acabava a
multidão depredava a agência e seguia para outra. Longe de buscar interpretar o
porquê da crença em tão abominável boato o então ministro da justiça requisitou
a instauração de inquérito policial para tentar descobrir quem o havia
difundido. Mais importante que o boato ou os danos que se causavam era tentar
entender porque aquelas pessoas acreditavam numa fofoca tão despropositada.
Isto não foi feito.
Os arranjos institucionais necessários para a
governabilidade decepcionaram os que haviam depositado as esperanças numa
democracia substancial. Ao invés das políticas públicas almejadas, o que
tivemos foram grandes obras para grandes eventos, buscando distrair o povo e
enriquecer poucos. Um jogador de futebol chegou a declarar que não se faz Copa
do Mundo construindo hospitais.
A
multifacetação da sociedade colocou em xeque as instituições. A precarização do
mundo do trabalho dificulta a organização dos trabalhadores na defesa de seus
interesses de classe. A aglutinação em torno de bandeiras particulares e
discursos, por vezes antagônicos, se contrapõe aos interesses comuns da classe
a que pertence a pessoa.
A
insatisfação que se expressava em 2013 era contra a precarização da vida. Sem
um projeto reconstrução efetivamente nacional, visando aos nacionais e
destinado ao mundo do trabalho as esperanças se transformaram em decepção. O
incentivo do Estado à formação de conglomerados para disputar mercado
internacional não foi compreendido pela sociedade. Afinal, o controle de alguns
conglomerados era de fundos de investimentos. O que presenciamos foi a formação
de oligarcas, precarização do mundo do trabalho, e dispensa massiva de mão de
obra a depender de programas assistenciais, ainda que não tenha se constituído
em assistencialismo asfixiador da própria democracia.
Hoje
vivemos sob escombros. Mas estamos vivos e fortes e já avistamos raios de luz.
Mas precisamos nos livrar do entulho, removê-lo, continuar a caminhada para uma
democracia substancial, bem como iniciar a reconstrução do país que almeja a
classe trabalhadora do campo e das cidades.
Publicado
originariamente no jornal O DIA em 17/06/2023, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2023/06/6653857-joao-batista-damasceno-dez-anos-das-jornadas-de-junho.html
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