Diante da inércia não é razoável perguntar se há governo, mas a quem
ele serve. As clínicas privadas jamais admitirão o gozo com o projeto em curso.
É um projeto genocida com qual se lucra em sigilo. A quem o governo serve?
A semana foi tomada pelos comentários sobre as
despesas com aquisição de leite condensando e chiclete pelo governo federal.
Nenhum veículo de comunicação atribuiu qualquer responsabilidade pessoal ao
presidente da República. Mas, não faltou manifestação do presidente em tom incompatível
com a dignidade do cargo. Se foram gastos mais de R$ 2 milhões de reais na
compra de chiclete isto deve ser esclarecido. Ao custo de R$ 0,10 por unidade,
teriam sido adquiridos mais de vinte milhões de chicletes. Em leite condensado
foram gastos cerca de R$ 15 milhões.
Publicado o assunto polêmico, o Portal da
Transparência foi retirado do ar. Uma República se fundamenta no princípio da
publicidade a fim de que os cidadãos possam fazer escolhas e influir nas
decisões sobre o que é público.
O montante pago pelo leite condensado é cinco vezes
mais que tudo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) recebeu,
em 2020, para fazer o monitoramento por satélite de toda a Amazônia, Pantanal e
demais regiões do país. Nos últimos dois anos, o Inpe, o Ibama e o Instituto
Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) tiveram seus orçamentos reduzidos, o
que comprometeu a capacidade de o governo realizar ações estruturais de
proteção, fiscalização e combate do desmatamento nas florestas nacionais. A Amazônia
registrou, no ano passado, volume recorde de queimadas. O Brasil vive em
permanente expansão das fronteiras agrícolas e as terras públicas vivem sendo
griladas.
E espantoso o desmonte que tem sido promovido dos
órgãos públicos. O SUS, sistema imprescindível à vida dos brasileiros, está
sendo sucateado. E isto somente atende aos que comercializam saúde. Mas, saúde
não é mercadoria. É direito. Já morreram mais de 220 mil brasileiros de
Covid-19 e ainda não temos um plano nacional de vacinação.
Simultaneamente o governo federal anuncia a
possibilidade de autorização da importação pelas clínicas privadas. Um projeto
de vacinação privado poderá dar lucro aos importadores e clínicas privadas.
Mas, poderá causar dano à combalida economia, pois empresários teriam que
custear a vacinação de seus empregados para retomada do trabalho. Além disto,
deixaria no desemparo a maioria da população brasileira, inclusive os milhões
de desempregados. Somente quem pudesse pagar poderia se imunizar. É desumano.
Em plena pandemia, Índia e África do Sul,
propuseram na Organização Mundial do Comércio (OMS) a quebra das patentes da
vacina. Assim, qualquer país poderia fabricar a vacina, sem licenciamento da
indústria farmacêutica ou obrigação de pagar royalties. Mas, o governo do
presidente Jair Bolsonaro, aliou-se aos Estados Unidos e aos interesses da
indústria farmacêutica e apresentou oposição aberta à quebra das patentes,
apresentada pela Índia. O Brasil abandonou a defesa histórica da quebra das
patentes farmacêuticas que muito já beneficiou o povo brasileiro.
Como se a vida humana não importasse, o governo
federal não dá resposta ao Instituto Butantan sobre a compra da CoronaVac. O
instituto diz poder vender para países vizinhos, se o Ministério da Saúde não
apresentar interesse. O Butantan remeteu ofício na semana passada questionando
a pasta e não teve retorno. No dia D e na hora H, talvez o ministro responda.
Mas, poderá ser tarde. Não há cronograma para aquisição aplicação pelo SUS,
mesmo diante da gravidade da situação. “Todos os países que o Butantan tem
acordo aqui da América Latina estão nos cobrando um cronograma. Se houver a
confirmação do Ministério da Saúde, teremos um planejamento para produzir mais
40 milhões para os países vizinhos. Se não tiver, vamos dirigir essas 54
milhões de doses aos países vizinhos”, disse o diretor do Butantan, Dimas
Covas, em entrevista, dia 27.
Diante da inércia não é razoável perguntar se há
governo, mas a quem ele serve. As clínicas privadas jamais admitirão o gozo com
o projeto em curso. É um projeto genocida com qual se lucra em sigilo. A quem o
governo serve?
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 30/01/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/01/6074616-joao-batista-damasceno-leite-condensado-com-cloroquina-sem-vacina.html