sábado, 15 de fevereiro de 2020

Conservadorismo e autoritarismo


Embora as expressões conservadorismo, autoritarismo, fascismo e nazismo estejam no uso cotidiano da sociedade brasileira no presente momento, é preciso distinguir tais conceitos e saber o que destas categorias há nas relações sociais no Brasil.

O conservadorismo se caracterizou pela oposição ao pensamento racionalista difundido no período iluminista. O iluminismo foi um dos períodos mais revolucionários da história da humanidade. Devemos a ele todo o progresso científico que propiciou os meios que nos facilitam a vida. Mas, há quem difunda pelas redes sociais, para as quais são imprescindíveis os satélites, a ideia de que a terra é plana ou quem, negando a possibilidade de evolução das espécies, mude o remédio quando o microrganismo que causa mal ao seu corpo fica resistente ao remédio até então usado. Assim, o conservadorismo se alimenta da ignorância e recusa os raios de luz que o conhecimento poderia proporcionar.

O conservadorismo se opõe à concepção progressista da vida, pois esta significa um rompimento com a tradição. O conservadorismo é a contraposição a uma história humana em processo aberto e ascendente, com indivíduos capazes de se tornarem melhores. A teologia da prosperidade é um espaço ideal para a manutenção do conservadorismo. Por meio dela, líderes religiosos convencem o rebanho de que lhe deve dar dinheiro para custear suas despesas, mas garante aos fiéis incautos que deus providenciará para eles os pagamentos de suas contas. Porque o líder não pede diretamente a deus e deixa de lado o dinheiro dos fiéis? O projeto implantado no Brasil colônia, que proibia o estudo dos pensadores modernos e iluministas cerceou o pensamento crítico e contribuiu para o conservadorismo no Brasil. A crise da educação no Brasil não é fracasso, é projeto.

A inauguração do Brasil não foi feita por cidadãos. Mas, por senhores de engenho e de pessoas, num modelo autoritário. O autoritarismo é um sistema político que privilegia o primado da autoridade em prejuízo dos cidadãos e que hierarquiza as relações sociais, caracterizando-se pela obediência aos superiores e arrogância e desprezo aos considerados inferiores. O autoritarismo nega que a democracia tenha condições de produzir a “verdadeira autoridade” E, tal como o nazismo e o fascismo emprega a violência para eliminar os considerados indesejáveis. Numa estrutura autoritária não se admite manifestação. Pouco importa o conteúdo. O que não é admitida é a fala.

Vivemos tempos difíceis. A peça Sísifo, encenada com mestria por Gregório Duvivier no Teatro Prudencial, tem sido apresentada com forte esquema de segurança. Já não se duvida que o governo das milícias possa protagonizar o que fizeram outros grupos paramilitares com os atores da peça Roda Viva durante a ditadura empresarial militar. Algumas das práticas truculentas daquele lamentável período histórico, se repetem, como tragédia. Dentre elas a censura a livros. Até Machado de Assis! Quem elaborou a recente lista de livros a serem censurados não deve ler. Se começar a ler poderá censurar até a Bíblia, sobretudo em razão do livro de Cantares ou Cânticos dos cânticos, capítulo sete.




Domínio sobre a natureza


O final do século XIX experimentou avanço técnico e científico em patamar jamais visto na história da humanidade. O advento da eletricidade, da aviação e do automóvel, dentre outras novidades, deu aos indivíduos a sensação de onipotência jamais sentida. Embora Gutemberg tenha criado a prensa por volta de 1450 foi na segunda metade do século XIX que a imprensa se popularizou. Antes desta época o mundo era propício para crenças no sobrenatural para o que não era explicável. A partir de então, a racionalidade tomou conta do mundo e o que fosse inexplicado passou a ser objeto de especulação e busca de conhecimento. Ao invés do comodismo que remetia as explicações ao divino, todos os fenômenos passaram a ser objeto de estudo. O sobrenatural saiu do centro das explicações e a ciência e o conhecimento, aparentemente, passaram a permear as reações e relações humanas.

Em todos os aspectos da vida social as transformações se refletiram. Até os modelos de jardins passaram a expressar a ‘grandeza humana’. Difundiram-se pelo mundo os jardins franceses, criados no século XVII durante o reinado de Luiz XIV, o “Rei Sol”. Estes jardins são os mais rígidos e formais de todos os estilos, pois tem formas geométricas e simetria perfeita. Os caminhos nesse tipo de jardim são bem definidos, com cercas vivas e arbustos compactos, verdes e perfeitamente podados, formando desenhos. O estilo pretende demonstrar o domínio do homem sobre a natureza. No Rio de Janeiro, um jardim se destaca com este estilo, com arbustos podados e formas bem definidas. Está na Praça Paris, criada a partir de um aterro do mar com terra proveniente do desmonte do Morro do Castelo. Após a proclamação da República a elite cafeeira de Minas Gerais pretendeu construir uma capital para o Estado. O plano para a construção de Belo Horizonte, apresentado em 1895, com ruas paralelas e perpendiculares formando quadrados e losangos desconsiderou a existência de inúmeros riachos que cruzavam a região. Era mais uma vez a expressão do domínio humano sobre a natureza.

Além dos estilos urbanísticos e paisagísticos a natureza foi tratada como fornecedora de recursos infinitos, dos quais se podia abusar. A exploração dos recursos naturais se faz em razão de um sistema que se alimenta do consumismo e que precisa produzir continuamente para se manter em funcionamento. É um paradoxo. Se não houver consumo o sistema econômico entra em colapso; se mantivermos os atuais padrões de consumo o que entrará em colapso será o planeta.

A equação se resolve com o uso adequado dos recursos naturais, que são finitos. Mas, a irracionalidade tomou conta do Brasil. A estupidez e a brutalidade tomaram conta do poder e somos estimulados a deixar de pensar. Tudo tem sido reduzido a frases de efeito, sem qualquer relação com a realidade. Indivíduos colocados em cargos para os quais nunca se prepararam usam o poder para afirmar suas crenças absurdas, insustentáveis diante de qualquer análise. Entre buscar as causas e consequências, opta-se por acreditar em versões fantasiosas, porque é menos angustiante que enxergar a realidade. Com o apoio de fake news as crenças substituem a razão. Acredita-se no que é ilógico ao invés de se colocar o raciocínio para ajudar nas conclusões. E assim, o meio ambiente vem sendo devastado, sob o imperativo da ordem econômica. Mas, a natureza busca o seu reequilíbrio e nesta queda de braço o ser humano é o mais frágil. Já não há como pensar em domínio sobre a natureza. Com ela precisamos aprender a conviver.



Publicado originariamente no jornal O DIA, ewm 01/02/2020, pag. 10. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2020/01/5861747-joao-batista-damasceno--dominio-sobre-a-natureza.html#foto=1