“Assombrou-nos a foto de uma
menina na Síria que confundiu a máquina de um fotógrafo com uma arma e levantou
os braços. Mas naturalizamos o terror das crianças nas favelas quando avistam
quem as deveria proteger. Quando em 2007 intensificaram-se as execuções pelas
forças do Estado, depois de declaração do governador do Rio de que o ventre das
mulheres faveladas era fábrica de reposição de mão de obra para o tráfico,
artistas e intelectuais lançaram manifesto contra a política de extermínio. O
secretário Beltrame declarou que o manifesto era míope, e foi iniciada a
política de ocupação militar das favelas”.
Valor não é característica própria de nenhum bem
material ou imaterial; é atribuição por um sujeito. Valor é qualidade de não
indiferença. Maior a indiferença, menor o valor. Dizemos que a vida não tem
preço, tamanho o seu valor. E todas as vidas devem se equivaler. Mas as mortes
de Thomaz Alckmin, filho do governador de São Paulo, e do menino Eduardo de
Jesus Ferreira, no mesmo dia, tiveram tratamentos diferentes, apesar da
gravidade institucional causadora da morte do garoto.
Eduardo de Jesus tinha 10 anos e foi assassinado
por um tiro de fuzil numa comunidade ‘pacificada’. Thomaz, filho da elite
paulista, tinha 31 e morreu num acidente de helicóptero. São Paulo é a cidade
com a maior frota de helicópteros do mundo, e a probabilidade de acidentes é
proporcional. É contrário à natureza que os pais sepultem os filhos. O governador
de São Paulo merece toda solidariedade. Mas a lamentável perda de seu filho
decorreu de risco assumido. O mesmo não aconteceu com o menino Jesus, morto na
Semana Santa. Pela morte da criança negra e pobre não houve comoção midiática
ou manifestação pesarosa dos governantes. A presidenta Dilma lamentou
oficialmente o acidente com Thomaz, mas se limitou a palavras vagas sobre
Jesus, dizendo apenas que espera que os culpados sejam responsabilizados, sem
manifestação sobre o modelo de política genocida que apoia.
Assombrou-nos a foto de uma menina na Síria que
confundiu a máquina de um fotógrafo com uma arma e levantou os braços. Mas
naturalizamos o terror das crianças nas favelas quando avistam quem as deveria
proteger. Quando em 2007 intensificaram-se as execuções pelas forças do Estado,
depois de declaração do governador do Rio de que o ventre das mulheres
faveladas era fábrica de reposição de mão de obra para o tráfico, artistas e
intelectuais lançaram manifesto contra a política de extermínio. O secretário
Beltrame declarou que o manifesto era míope, e foi iniciada a política de
ocupação militar das favelas.
A indiferença e a perversidade grassam sobre os
pobres. Para justificar o assassinato de Jesus, montagem de foto de criança com
arma foi divulgada nas redes sociais. Com cinismo, autoridades disseram que o
Alemão será reocupado militarmente. E o sinal foi dado para que domicílios
voltassem a ser violados, e portas, arrombadas. Sem educação pública de
qualidade, a pedagogia do Estado é a do caveirão e do medo, da opressão que
ensina a submissão ao Estado Policial, sob pena de execução; do pezão na porta
do barraco.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 12/04/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-04-11/joao-batista-damasceno-valor-da-vida-na-favela.html
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