“juízes têm no nosso sistema o papel de garantidores dos direitos. Numa sociedade na qual os juízes não
tenham este papel eles não precisam existir, pois os inquisidores podem tudo
para obter a ‘prova’ do que estão convencidos, e os linchadores já exercem com
eficiência a função de realizar justiçamento fundado em sentimento momentâneo,
despidos da racionalidade civilizatória”.
Há uma
década, poucos livros tinham a palavra ‘corrupção’ no título. Hoje é difícil
manter-se atualizado com as constantes publicações.
Mas quase todos têm a mesma abordagem discursiva e vazia do ‘udenismo’. Tal
como nos períodos que antecederam à tentativa de golpe que levou Getúlio Vargas
ao suicídio e ao golpe de 1964, o assunto está na mídia, nas bancas e nas
livrarias. Os personagens que alardeavam o tema e promoviam acusações, cruzadas
e golpes enriqueceram ‘vendendo moralidade’. Os personagens e os interesses de
hoje são quase todos os de outrora. O moralismo é a ética de quem não tem ética
republicana.
Até
juízes estão embalados na luta contra a corrupção e fundaram uma associação
para isto. Mas juízes têm no nosso sistema o papel de garantidores dos direitos. Numa sociedade na qual os juízes não
tenham este papel eles não precisam existir, pois os inquisidores podem tudo
para obter a ‘prova’ do que estão convencidos, e os linchadores já exercem com
eficiência a função de realizar justiçamento fundado em sentimento momentâneo,
despidos da racionalidade civilizatória. Na luta contra a corrupção,
presidentes de tribunais têm usado o Diário Oficial para comunicar a criação da
referida entidade privada. Não é a primeira vez que entidades privadas se
envolvem com os tribunais e compartilham suas entranhas, dificultando a
distinção entre os interesses público e privado. Um tribunal estadual, em
tempos passados, se associou a uma ONG presidida por um desembargador
aposentado. A ONG recebia do tribunal verba pública a título de mensalidade,
ocupava suas dependências, e seu presidente exercia a advocacia, até mesmo
contra o tribunal como noticiou O DIA , sem qualquer desmentido.
Aristóteles,
na obra ‘Da geração à corrupção’, trata o mundo concreto como forma corrompida
do mundo ideal com a concepção transcendente de justiça, verdade e belo herdada
de Platão. Mas temos limitado o conceito de corrupção ao suborno, traduzido no pagamento
indevido para obter vantagem indevida ou afastar a consequência por
transgressão. Este é um dos tipos de corrupção tipificados em lei. Além dos
casos legalmente definidos é também corrupção tudo o que não é próprio de
recebimento ou atribuição e que o compadrio, a parentela e o patrimonialismo
dificultam a percepção. O suborno dado ao guarda de trânsito para fugir da
multa pela falta de um equipamento obrigatório é corrupção, mas também a
elaboração da lei que o obriga, se desnecessário. O roubo num bote a remo
mediante ameaça com um canivete tem a mesma natureza da apropriação do petróleo
do mundo em grandes petroleiros mediante ameaça com bomba. O tamanho da
apropriação não altera a natureza do que se pratica. A pior corrupção é a
institucionalizada e que a ideologia nos faz acreditar lícita.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-07-26/joao-batista-damasceno-o-tamanho-do-roubo.html
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