domingo, 7 de junho de 2020

OBSTRUÇÃO JUDICIAL


Em atrito com Bolsonaro, STF tem meios escassos de controle e limite a seus ministros

Corte tem em impeachment de juiz maior sanção, mas medida é considerada muito improvável

6.jun.2020 às 14h07


SÃO PAULO

Pressionado nos últimos anos pela opinião pública e agora sob cerco do bolsonarismo, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem escassos meios previstos em lei de controlar ou limitar a atividade de seus integrantes.
Instituições como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ou o Congresso praticamente são alijadas de atividades de supervisão dos trabalhos da corte.
A única sanção mais ao alcance de outros Poderes, considerada por especialistas uma bomba atômica a ser usada em hipóteses remotas, é o impeachment de ministro, que cabe ao Senado avaliar.
Embora desperte críticas, esse modelo de autonomia e estabilidade quase total é concebido para evitar a influência política sobre o Judiciário ou retaliações de outros Poderes por decisões tomadas.
Iniciativas controversas dos ministros nos últimos anos despertaram discussões sobre os limites de atuação dos integrantes da corte.
Uma dos principais foi o inquérito da fake news, aberto em 2019 por determinação do próprio presidente do tribunal, Dias Toffoli, que também indicou o relator, Alexandre de Moraes. Os alvos são suspeitos de fazer ameaças e ofensas a integrantes do tribunal.
O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar há duas semanas, após operação de busca e apreensão no âmbito dessa investigação: “Ordens absurdas não se cumprem”.
O tom beligerante estimulou ainda mais apoiadores que semanalmente fazem protestos antidemocráticos em Brasília pedindo o fechamento da corte e do Congresso.
Bolsonaro e os críticos do tribunal também questionam a excessiva individualização de ordens de ministros, como a expedida também por Moraes em abril que barrou a posse de Alexandre Ramagem, aliado do presidente, na direção-geral da Polícia Federal.
Liminares também reverteram indicações para ministérios nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Se abre margem para questionamentos, essa autonomia gozada pelos ministros também protege a corte de intervenções desmedidas do Executivo.
Em democracias menos consolidadas, há vários precedentes de destituição de integrantes da mais alta corte por pretextos aleatórios do governo da ocasião. No Brasil, a ditadura militar ordenou a aposentadoria de ministros não alinhados.
Pedidos de impeachment no Supremo Tribunal Federal se avolumaram no Congresso nos últimos anos, mas não houve nenhum caso de afastamento consumado.
O professor de direito constitucional Miguel Godoy, da Universidade Federal do Paraná, diz que o impeachment implica em provar uma falha funcional grave, que represente um crime de responsabilidade.
Os pedidos que chegam ao Senado contra os ministros costumam visar, por outro lado, o teor de decisões tomadas.
“Juiz não pode ser responsabilizado pela compreensão jurídica que tem. A não ser que atue de maneira dolosa para fraudar, o que não me parece o caso”, diz ele, a respeito do inquérito das fake news.
O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio Ivar Hartmann, que pesquisa o Supremo, diz que, como o impeachment é visto como algo fora de cogitação, a corte fica sem outras alternativas de controle, o que contribui para excessos dos ministros.
“Deveria haver outros mecanismos além do impeachment para violações de menor grau. Algum mecanismo de moção, de suspensão, que tenha um efeito simbólico. [Por exemplo:] remover determinado processo da relatoria e ser sorteado entre outros ministros. Seria algo de bastante impacto para os ministros, veriam como uma punição severa.”
Hartmann diz que o Senado, que também é quem aprova as indicações de novos ministros do tribunal feitas pelo presidente da República, poderia exercer esse papel.
Existe, no entanto, um equilíbrio delicado nos interesses intercruzados entre Poderes: há no tribunal inquéritos e processos que têm como alvos os próprios congressistas.
O professor também considera que poderia ter havido um efeito positivo na chamada “CPI da Lava Toga”, que senadores novatos tentaram abrir sem sucesso em 2019, desde que a comissão se prestasse a discutir procedimentos do Judiciário, e não o teor das decisões.
O Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004 e que supervisiona as atividades do Judiciário, não tem jurisdição sobre os ministros da mais alta corte do país.
Em 2001, ato do então presidente da corte, Marco Aurélio Mello, alimentou debate sobre punição ao ministro.
Ele concedeu habeas corpus a um militar condenado por tráfico e embasou sua ordem em argumento que, disse, havia sido respaldado por decisão de uma das turmas da corte anteriormente, o que não havia acontecido de fato.
A situação provocou bate-boca em plenário com a então colega Ellen Gracie e foi discutida pelos 11 ministros em sessão administrativa a portas fechadas. Pressionado pelos pares, Marco Aurélio acabou admitindo publicamente que havia errado, e a libertação foi revogada.
Punições internas por meio do regimento interno do tribunal são improváveis, já que caberia aos colegas tomar a iniciativa contra um ministro.
Preceitos desse regulamento, como o que estabelece prazos para a retomada de casos sob pedidos de vista, não provocam sanções em caso de descumprimento.
Em 2019, estudo da Fundação Getúlio Vargas analisou três décadas de pedidos de suspeição (questionamento sobre a isenção de um magistrado em uma causa) e mostrou que todos foram arquivados no tribunal, a maioria de maneira individual.
O poder dos ministros em obstruir discussões também é questionado.
Em 2014, o ministro Luiz Fux autorizou de maneira liminar o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário e por anos não liberou a causa para julgamento dos colegas. Só revogou suas decisões em 2018 depois de o governo federal aceitar conceder reajuste salarial à magistratura.
“Não se sabe quais os critérios de conduta judicial que nós podemos cobrar dos ministros do Supremo. É um problema antigo no Brasil”, diz o professor do Insper Diego Werneck Arguelhes, que pesquisa cortes constitucionais.
Nesse sentido, ele entende que a fixação de mandatos para os integrantes do tribunal, como o estabelecido em outros países, é benéfica. Hoje, os ministros são aposentados compulsoriamente aos 75 anos.
Para o professor de ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina Luciano Da Ros, que estuda o Judiciário, a única bandeira que une os 11 ministros que compõem a corte é a preservação de seus poderes individuais, o que obstrui possíveis iniciativas de aperfeiçoamento.
“Se o ministro A tomou uma decisão que foi malvista pelos outros, ela é ‘aceita’ pelos demais porque, em um momento subsequente, o ministro B ou C pode ser aquele a tomar uma decisão malvista pelos colegas. Nesse contexto, dificilmente existe uma ação disciplinar clara, orientação de rumo.”
Para os acadêmicos, os questionamentos à corte são desdobramento da superexposição que seus julgamentos e decisões passaram a ter na última década. A partir do julgamento do caso do mensalão, em 2012, o tribunal esteve cada vez mais no centro do debate político, que incluiu episódios da Operação Lava Jato e a discussão sobre a prisão de condenados em segunda instância, como o ex-presidente Lula.
Agora, as circunstâncias de ataques à corte por manifestantes extremistas podem acabar tendo até o efeito inverso, de barrar o debate por mudanças em seu modo de funcionamento.
Para a professora de direito constitucional Vera Karam de Chueiri, da Universidade Federal do Paraná, o momento exige cautela em propostas de mudanças.
“Pode-se fazer as críticas, tecer críticas, mas neste momento elas têm que ser pensadas nesse contexto maior, de quem quer dinamitar instituições”, diz.
ALGUMAS DAS MEDIDAS CONTROVERSAS DO STF NOS ÚLTIMOS ANOS
Inquérito das fake News
Em março de 2019, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu por conta própria instaurar um inquérito para apurar ofensas e ameaças contra ministros da corte. A medida se baseia em um artigo do regimento interno que trata da ocorrência de crimes nas dependências do tribunal. Ele indicou o ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso.
Desde então, o inquérito já serviu, por exemplo, para censurar a revista online Crusoé, para determinar buscas contra o ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que havia dito que planejou matar um ministro da corte, e, no fim de maio, contra empresários, blogueiros e outros aliados do presidente Jair Bolsonaro
Decisões individuais sobre o Executivo
Desde 2016, medidas individuais da corte impediram a posse do ex-presidente Lula na Casa Civil, da então deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) no ministério de Michel Temer e, mais recentemente, de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal.
No caso do petista, o argumento era de desvio de finalidade. As decisões despertaram debate sobre os limites da atuação do Judiciário sobre o Executivo
Causas 'seguradas'
O poder dos ministros em obstruir discussões também tem sido questionado. Em 2014, o ministro Luiz Fux autorizou de maneira liminar o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário e por anos não liberou a causa para julgamento -- só revogou suas decisões depois de o governo federal aceitar conceder reajuste salarial à magistratura.
Em 2015, houve mobilização de entidades para que o ministro Gilmar Mendes liberasse voto sobre o financiamento de campanhas eleitorais por empresas, que ficou pendente por mais de um ano

   




OBSTRUÇÃO JUDICIAL

O que se em feito em alguns tribunais é "obstrução judicial", por meio de pedido de vista ou retardamento na submissão de liminar ou processo ao órgão colegiado para julgamento.

No STF a prática da “obstrução judicial” foi escancarada pelo Ministro Nelson Jobim. Vindo do Parlamento, onde  a prática da obstrução é meio de propiciar conversações, o ministro Jobim a praticou em larga escala no STF, conforme era denunciado pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari. 

Embora o regimento interno do STF/RISTF disponha que o pedido de vista implica devolução dos autos na segunda sessão subsequente, já tivemos ministros que ficaram anos com vista ou se retardaram a liberação do processo para julgamento. Tenho ciência de uma petição protocolada no STF em 2006, somente foi juntada após sua aposentadoria do relator, ministro Joaquim Benedito Barbosa.

Um debate necessário é sobre a manutenção do pedido de vista após a segunda sessão ou inabilitação de quem em tal tempo não se achar apto a julgar, bem como a ineficácia, ope legis (pro força de lei), da liminar não confirmada ou submetida na primeira sessão subsequente a que tiver sido deferida.

Assim:
1)   Se o julgador pedir vista e não trouxer o processo na segunda sessão subsequente, estaria - de pleno direito - inabilitado em participar do julgamento, por desconhecimento da causa.

2)   Deferida a liminar, antes da oitiva da parte contrária, o relator deveria colocar a decisão para reapreciação e confirmação na primeira sessão subsequente, sob pena de perda imediata e, por força de lei, da eficácia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário