“Não há inteligência nem eticidade nos governantes. Remoções sob o
fundamento de imprescindibilidade para obras públicas apenas se destinam a
afastar os pobres das áreas nobres. Removidos são deixados ao relento, como
foram os desabrigados da Favela da Telerj. Na madrugada, sirenes da Guarda
Municipal impediam o sono dos miseráveis que permaneciam na chuva à frente da
sede da prefeitura, reclamando direito constitucional de moradia. A parceria
entre as três esferas de poder — municipal, estadual e federal — não tem sido
em proveito dos pobres, mas da cartolagem.”
A presidenta Dilma
Rousseff é a comandante suprema das Forças Armadas. Ela nomeia livremente o
ministro da Defesa e só ela pode autorizar seu emprego no papel de polícia e
contra a sociedade. Foi heroica sua atuação quando, aos 20 anos, acreditou que
poderia vencer a truculência do regime empresarial-militar. Mas perdeu,
juntamente com aqueles que tentaram derrubar o regime pela força, e suas ações
serviram para legitimar o acirramento da repressão. Muitos foram presos,
torturados, mortos, esquartejados e desaparecidos. A abertura política, que não
significou efetiva democratização, decorreu de arranjo dos próprios setores
conservadores que promoveram o golpe. Nos 50 anos do golpe, a presidenta
continua acreditando na força como medida capaz de resolver os problemas
sociais.
A força é o último
recurso da autoridade para se recolocar no lugar desejado, a partir do momento
em que é desafiada, deslegitimada ou desacatada. Mas a política de geração de
miséria e ausência de políticas sociais é que deslegitima a autoridade. Ninguém
vivendo na miséria — material ou existencial — legitimará o poder que lhe
subordina. No máximo tolera por algum tempo.
Não há inteligência
nem eticidade nos governantes. Remoções sob o fundamento de imprescindibilidade
para obras públicas apenas se destinam a afastar os pobres das áreas nobres.
Removidos são deixados ao relento, como foram os desabrigados da Favela da
Telerj. Na madrugada, sirenes da Guarda Municipal impediam o sono dos
miseráveis que permaneciam na chuva à frente da sede da prefeitura, reclamando
direito constitucional de moradia. A parceria entre as três esferas de poder —
municipal, estadual e federal — não tem sido em proveito dos pobres, mas da
cartolagem.
Não adianta ao
príncipe construir fortalezas se não tiver o apoio do povo. E não há como
evitar o dissenso do povo se o produto da riqueza social não lhe é partilhado.
Este dissenso é o que fortalece as instituições, pois lhe possibilita encontrar
formas de resolução dos problemas sociais sem apelo para a força, para a
truculência ou a eliminação física dos que se opõem. A paz sem voz não tem
vida; é a paz dos cemitérios. Aqueles que governaram sob as armas por 21 anos,
antes que fossem apeados do poder, promoveram transição lenta, gradual e
segura. Com isto, salvaram suas cabeças e se garantiram a impunidade pelos
crimes cometidos. Não esticaram a corda até que arrebentasse. Souberam ver que
as armas — muito úteis contra os inimigos externos — não adiantam por muito
tempo quando usadas contra o povo. Ao contrário, apenas o fortalecem e o
agrupam pelo seu inconformismo.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 20/04/2014,
pag. 12. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-04-19/joao-batista-damasceno.html
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