A SRA. PRESIDENTE (Inês Pandeló) – Agradeço a
presença de Soraya Moreno, representante do Gabinete do Deputado Hugo Leal e
também da Rádio Catedral; e de Maria Isabel da Conceição Nascimento,
representante do Coletivo do Setorial de Saúde do PT no Estado do Rio de
Janeiro. Terminando as falas da tribuna, ouviremos agora, na área do direito e
juristas, o Dr. Juiz João Batista Damasceno, da Associação de Juízes pela
Democracia.
(Palmas)
O SR. JOÃO BATISTA DAMASCENO – Serei breve. Saudando a Mesa na pessoa da Deputada Inês
Pandeló, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania,
saúdo todos e todas. Queria fazer uma especial saudação à Senadora Benedita da
Silva, de quem não sou eleitor – nunca fui –, pela sua coragem, pela sua vida,
pela sua origem, pela sua trajetória, por sua coragem nos depoimentos que
sempre presta. Ontem, quando ouvi sobre essa menina de nove anos – não vi a
reportagem –, fiquei muito emocionado. Não sabia que estaria com a senhora
hoje, mas me lembrei da senhora, pois uma vez a ouvi falando que aos sete anos
havia sido vítima de violência sexual. A ocorrência desses fatos contra as
mulheres, contra as moças e, sobretudo contra as meninas é muito grave. A
senhora contribui para a eliminação dessa violência por ter a coragem de vir a
público relatar esses fatos. (Palmas) Então, minha saudação especial à senhora
por sua determinação de contribuir com esse fato.
Quero ser muito breve, embora, talvez, não seja
possível, mas vou falar dentro do tempo de dez minutos. Vamos comemorar dentro de três dias o
Dia Internacional da Mulher. De onde vem essa data, essa comemoração, esse dia?
Da história das tecelãs, das operárias da fábrica que teria pegado fogo nos
Estados Unidos? Parece que existe uma origem mais distante: a luta das mulheres
operárias pelos seus direitos no momento da Revolução Industrial. Parece que
essa é a data mais remota da comemoração desse dia: a luta das mulheres
operárias no momento da afirmação do direito e no momento de uma violência não
especificada no incêndio de uma fábrica, mas de todas as violências que se
pratica contra os excluídos, contra os pobres, contra os trabalhadores, contra
os miseráveis, contra o campesinato...
Estamos falando hoje de uma violência muito específica. Estamos aqui para engrossar essa campanha contra a violência à mulher, mas vivemos num mundo de muita violência: a violência institucionalizada, a violência das instituições, a violência da rua, a violência do trânsito, a violência no trato, a violência da indiferença e a violência que hoje está institucionalizada no nosso Estado. Mais de um orador chegou a tocar nela aqui, hoje, e eu não posso deixar de falar da violência do discurso oficial.
Estamos falando hoje de uma violência muito específica. Estamos aqui para engrossar essa campanha contra a violência à mulher, mas vivemos num mundo de muita violência: a violência institucionalizada, a violência das instituições, a violência da rua, a violência do trânsito, a violência no trato, a violência da indiferença e a violência que hoje está institucionalizada no nosso Estado. Mais de um orador chegou a tocar nela aqui, hoje, e eu não posso deixar de falar da violência do discurso oficial.
O Governador[1],
no ano passado, numa infeliz declaração, quando pensava que a entrevista já
tinha terminado, disse que o ventre das mulheres faveladas é uma fábrica de
reposição de mão-de-obra para o tráfico. (Palmas) Eu não estou me referindo a
um Governador do passado, estou me referindo ao Governador em exercício do
mandato atualmente no Estado do Rio de Janeiro, que disse que o ventre das
mulheres faveladas é fábrica de reposição de mão-de-obra para o tráfico. Nessa
época, Senadora Benedita, eu me lembrei da senhora também.
Vamos falar de outras violências: a violência da
política de extermínio que está em exercício no Estado do Rio de Janeiro[2].
Essa violência não vitima só aqueles a quem ela mata, não, vitima as mães
daqueles que morrem nessa política de extermínio, vitima as irmãs daqueles que
morrem, não é isso, Margarida[3]?
As mães te procuram, as irmãs te procuram, e é uma violência. Não estou
apontando especificamente para os planos de política pública. Há um modelo de
política que quer erradicar a criminalidade quando crime é intrínseco a toda a
sociedade, e ele não pode ser erradicado. Não existe guerra contra o crime. A
guerra começa e acaba e tem um motivo específico para ser estabelecida. Crime
não se combate com guerra, crime tem uma outra forma de ser tratado, porque não
pode ser erradicado.
Não vou entrar no discurso religioso, mas a
transgressão é intrínseca ao ser humano. A lei mais irrevogável das que conheço
é a da gravidade e os homens e as mulheres a revogaram. Hoje, ficam passeando
por aí de avião, de foguete... Até a lei da gravidade, que era irrevogável,
hoje está suplantada, portanto, essa transcendência da humanidade é intrínseca
à própria humanidade. Não vamos conseguir com política alguma erradicar as
transgressões, nem mesmo eliminando aqueles que transgridem. Por isso, fica
aqui esse posicionamento – que não é pessoal, é da Associação Juízes para a
Democracia – contra a política de extermínio que está sendo implantada
atualmente e que vitima aqueles que morrem mais as mães e as irmãs daqueles que
morrem.
Ainda estou em 1/3 do que tenho que falar. Vou correr para poder terminar.
Acho um momento muito importante o do lançamento
dessa campanha, porque reforça não só a luta das mulheres, e sim a luta das
mulheres na aliança com os homens contra essa nefasta prática social que é a
violência permanente contra as mulheres. É óbvio que é preciso implementar mais
direitos para as mulheres, para defesa das suas garantias de uma vida feliz. É
preciso instrumentalizar as mulheres, e o orador que me antecedeu nos deu
alguns indicativos, desde essa questão da impessoalidade. É fundamental
chegar-se a um órgão e impessoalmente ser bem-tratado, não precisar de uma
recomendação especial para o atendimento. Mas há muitas outras coisas que
precisam ser feitas para instrumentalizar a defesa dos direitos das mulheres.
Com relação à punição dos agressores, está aí a
Lei Maria da Penha, que está chegando, está sendo implementada. Há aqueles que
temem o discurso punitivo, mas é um instrumento também de que se deve lançar
mão, subsidiariamente, quando as outras políticas não resultarem eficazes. Aí,
sim, claro, a violência legítima precisa ser exercitada, e para tanto a Lei
Maria da Penha.
Acho muito importante essa campanha direcionada
aos homens. Falei outro dia com a Margarida[4],
falei hoje com a Adriana[5],
minha colega juíza da violência doméstica do Rio de Janeiro, sobre a cultura da
misoginia. Converso com homens, falo com os meus amigos. Há homens que não
gostam de mulher – não é no sentido sexual, não, porque nesse sentido eles
gostam. Eles contam piadas de mulher, falam mal de mulher, tratam a mulher como
um ser secundário, inferior. Eu acho que essa questão da cultura misógina
precisa ser atacada. É preciso lembrar aos homens, primeiro, que eles têm
irmãs, têm mãe – alguns talvez não tenham[6].
O pedido foi para que eu fizesse um depoimento
pessoal: eu gosto muito das mulheres! Eu tive avós, tive mãe, tenho irmãs,
tenho tias. Fui criado numa família de mulheres, que me ensinou a respeitar as
mulheres, a tratar as mulheres com igualdade. Nesse sentido, acho que é muito
importante difundir uma cultura antimisógina para que os homens passem a gostar
de mulheres; para que um médico atenda uma mulher em seu consultório e a trate
com respeito; para que um policial, homem ou mulher, receba uma mulher na
delegacia e a trate com respeito; para que um juiz, numa cultura varonil com a
qual até as mulheres embrutecem, passe a tratar as mulheres, os homens, as
crianças, os doentes e os velhos com o respeito e com a dignidade que a pessoa
humana merece. Esta é uma questão muito importante.
Parabéns à Deputada Inês Pandeló, à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher por essa campanha endereçada aos homens, para que possamos minorar essa cultura misógina que está difundida em nossa sociedade.
Parabéns à Deputada Inês Pandeló, à Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher por essa campanha endereçada aos homens, para que possamos minorar essa cultura misógina que está difundida em nossa sociedade.
Eu poderia tratar aqui também, mas não será
possível, dos fatores da violência cotidiana. A violência é a ponta da lança,
mas da ponta até o local onde a força se faz para que ela atinja há muita
coisa. Vivemos uma cultura em que as pessoas estão raivosas. Muda um novo
vizinho para o seu andar e você reclama que vai ser mais uma pessoa fazendo
barulho, quando você poderia recepcioná-lo bem, como mais um companheiro que
teria para dar bom dia ou boa tarde. Vivemos a cultura da violência e do
isolamento, da tentativa do isolamento, tal como se isso fosse possível para a
humanidade.
Há muitos fatores de violência e precisaria de tempo para dissecá-los; há os fatores da judicialização, da briga permanente, do desagrado permanente. Aí entra a questão, que já foi falada aqui hoje, das políticas públicas. Parece-me que elas são geradas e gestadas para a infelicidade. Chegue a um hospital público, e falo porque lido cotidianamente com essa questão. Vejamos o caso do Hospital da Posse, por exemplo, dos hospitais públicos da Cidade do Rio de Janeiro, dos postos de vacinação. Não é possível imaginar que uma pessoa doente possa receber aquele tratamento. Não é possível imaginar que um médico que cuida de uma pessoa doente possa receber os tratamentos que têm recebido.
Há muitos fatores de violência e precisaria de tempo para dissecá-los; há os fatores da judicialização, da briga permanente, do desagrado permanente. Aí entra a questão, que já foi falada aqui hoje, das políticas públicas. Parece-me que elas são geradas e gestadas para a infelicidade. Chegue a um hospital público, e falo porque lido cotidianamente com essa questão. Vejamos o caso do Hospital da Posse, por exemplo, dos hospitais públicos da Cidade do Rio de Janeiro, dos postos de vacinação. Não é possível imaginar que uma pessoa doente possa receber aquele tratamento. Não é possível imaginar que um médico que cuida de uma pessoa doente possa receber os tratamentos que têm recebido.
Estou dando exemplos da medicina, mas poderia dar
outros, como as políticas públicas da educação. Sou professor e sei: há o aluno
que entra em sala agressivo, bate no professor. O professor ganha uma miséria,
a diretora é indicada pelo cabo eleitoral de um bairro que é ligado a não sei
quem, que é líder comunitário, que tem uma ligação com quem ninguém sabe mais
quem é.
É uma política de violência, é uma rede de
violência institucionalizada que precisamos repensar, pois não adianta falarmos
apenas das questões pontuais. Acho que precisamos, no barato, de duas coisas:
pensar em relações sociais antimisóginas e gestar políticas públicas que
propiciem a felicidade. Se existirem homens não-misóginos, que gostem de
mulheres, eles jamais baterão nelas; não baterão nas mães, nas irmãs, nas
vizinhas e muito menos nas mulheres que fazem carinho neles.
Eu digo não à violência contra as mulheres porque
gosto muito das mulheres.
Muito obrigado.
(Palmas)
Extrato da
ata da 1ª audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da
Mulher da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro/ALERJ, intitulada “EU DIGO NÃO À VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES”. Reunião realizada no
dia 05 de março de 2009, às 10 horas no Plenário. Disponível no link: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/compcom.nsf/e36c0566701326d503256810007413ca/a986fa6a8f6a39898325757d0075f085?OpenDocument
[1]
Referência a entrevista concedida pelo Governador Sérgio Cabral Filho ao
jornalista Aluizio Freire, do jornal O Globo, publicada em 24/10/2007.
[2]
Dirigindo-se ao Dr. Gilberto Ribeiro, delegado de polícia, então chefe da
Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
[3]
Dirigindo-se à Dra. Margarida Pressburger, então presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/RJ.
[4]
Dra. Margarida Pressburguer.
[5]
Juíza de Direito Adriana Ramos.
[6]
Provocação a um dos componentes da mesa.
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