“Se um policial é
considerado violento por sua conduta individual, o que dizer da política de
segurança militarizada que equipa ‘caveirões’ com alto-falantes por onde se
ouve ‘eu sou a morte’ e ‘vim buscar sua alma’ quando entram nas favelas e
bairros da periferia? O comportamento criminoso individual é apenas expressão
da política de desrespeito aos direitos humanos em forma de política de
segurança militarizada.”
A expulsão dos quatro policiais
militares acusados de estupro em área da UPP do Jacarezinho ocorreu em tempo
recorde, diferentemente de outros casos nos quais autoridades públicas — por
inércia, omissão ou cumplicidade — permitem as violações aos direitos dos
cidadãos.
Diz a denúncia oferecida pelo
Ministério Público que um dos acusados demonstra “comportamento violento e
personalidade distorcida”. Trata-se de fundamento para pedido de prisão
preventiva. As vítimas descrevem um deles “como o mais violento e agressivo dos
policiais. No momento do abuso sexual, ele teria dito ‘vocês hoje vão ver o
capeta’.” É repugnante o crime cometido contra as moradoras. Mas não é o
primeiro caso que se relata.
Na invasão do Complexo do Alemão se
contaram várias queixas de estupro, roubos, invasões de domicílio e torturas.
Numa das conversas interceptadas, um policial, em dia de folga, chamava outro
para uma incursão pelo Alemão, dizendo tratar-se de um “garimpo”. O que se
possibilita fazer nas comunidades ocupadas militarmente dá a dimensão da
truculência do estado; não se trata de comportamento individual ou
personalidade distorcida. Mas de política implementada pelo governo do estado.
Se um policial é considerado violento
por sua conduta individual, o que dizer da política de segurança militarizada
que equipa ‘caveirões’ com alto-falantes por onde se ouve ‘eu sou a morte’ e
‘vim buscar sua alma’ quando entram nas favelas e bairros da periferia? O
comportamento criminoso individual é apenas expressão da política de
desrespeito aos direitos humanos em forma de política de segurança militarizada.
Tal política somente se mantém porque
acontece num lugar definido como ‘lá’, longe da vida da classe dominante, e
subordina a vida de pessoas designadas pelo pronome ‘eles’, denotando que não
fazem parte do universo de cartão-postal onde vivem aqueles que assim se
expressam. Os advérbios ‘lá’ e ‘cá’ e os pronomes ‘nós’ e ‘eles’ designam a
diferença entre os que elogiam a política de segurança militarizada e os que
sofrem as suas consequências. A política de segurança militarizada tem
garantido ganhos aos seus destinatários. A especulação imobiliária é a mais
agradecida.
É louvável a expulsão dos policiais
acusados de estupro no Jacarezinho, mas nem toda violência estatal tem sido
tratada com o mesmo rigor. O acobertamento dos autores das torturas, da morte e
do desaparecimento do Amarildo é emblemático. Foram as manifestações e a
grandeza de um delegado que impediram a prevalência da versão oficial da área
de segurança do estado. O mesmo se pode dizer dos assassinos da juíza Patrícia
Acioli. Apesar de condenados, até hoje não foram desligados da polícia e
continuam a receber seus salários regiamente, decorridos três anos do crime.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 07/09/2014, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-09-07/joao-batista-damasceno-nos-ca-e-eles-la.html
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