“Comer é um ato
natural e biológico. Todo ser vivo demanda alimentação para sua subsistência e
reprodução. Mas, o que comer e como comer é que faz o diferencial e é resultado
do mundo da cultura”.
O
Instituto Atá lançou o projeto “Gastronomia é cultura”. Claro que gastronomia é
cultura. Comer é um ato natural e biológico. Todo ser vivo demanda alimentação
para sua subsistência e reprodução. Mas, o que comer e como comer é que faz o
diferencial e é resultado do mundo da cultura.
O
hábito alimentar do brasileiro pouco tem dos povos originários. Poucos
elementos nativos foram incorporados à nossa dieta. Os colonizadores trouxeram
seus alimentos e seus hábitos alimentares. Com exceção da mandioca é raro o
ingrediente na mesa do brasileiro que não tenha origem exterior. A batata, o
milho e a banana são americanas, mas não são do Brasil. Manga, jaca, laranja,
uva são de origem ainda mais remota. Boi, porco e galinha também não são
nossos. A construção da brasilidade na culinária não se fez com os
ingredientes, mas na forma de seus preparos. O milho é mexicano, mas a broa de
milho é mineira, ou melhor, do Brasil-interior. Mesmo tendo ingredientes originários
da África o acarajé, o vatapá e o caruru são baianos.
Tanto quanto já
se desprezaram os ingredientes nativos, também já se desprezarem os hábitos
alimentares dos brasileiros. O livro ‘Feijão, angu
e couve: ensaio sobre a comida dos mineiros´ de Eduardo Frieiro é um descalabro
em se tratando de análise da cultura alimentar caipira. Nele contém elogios ao
bife com batata frita, considerados ‘modo superior de alimentação’ a que Monteiro
Lobato diria ser pensamento de homem colonizado. Joaquim Barbosa, agora
midiático ao lado de subcelebridade global, quando presidente do STF, disse que
seu antecessor era um reles brasileiro, um caipira que não conhecia o conjunto
musical The Ink Spots. Na mente do colonizado conhecer um conjunto musical estrangeiro
o torna especial. É este tipo de elite que se está recriando no Brasil, sem
compromisso com os valores do povo brasileiro.
Com a
redemocratização do Brasil em 1985 foi editada uma lei de incentivo à cultura e
o ministro Aluísio Pimenta surpreendeu a todos com um programa de governo
apoiado em manifestações da cultura regional, apelidado pelo ‘moderno’ jornal Folha de S. Paulo de ‘a cultura da broa de milho’. O mesmo jornal não chamou de ‘cultura da peruagem’
os gastos da ministra da cultura na gestão de Marta Suplicy para um desfile de
moda em Londres, o que foi feito por Ricardo Boechat. Ao contrário, lhe abriu
espaço para dizer que o desfile de moda financiando com dinheiro público servia
para mostrar ao exterior uma imagem positiva do Brasil.
Quem faz a cultura popular é o povo. Recursos públicos para financiar o
pedantismo de chefs e suas cozinhas é desperdício de dinheiro que é público e
portanto de todos. A culinária, expressão da cultura do povo brasileiro, não
demanda verbas para sua subsistência. A cultura da apropriação de verbas
públicas é que é outro tipo de cultura.
Publicado originariamente
em O DIA, em 04/01/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-01-04/joao-batista-damasceno-broa-de-milho-e-cultura.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário