“Ninguém que tenha exposição
pública está isento dos mitos que se constituem sobre si. Mas os criados em
torno do eterno juiz da Infância e Juventude Siro Darlan são emblemáticos. Não
sem razão. Na época na qual a única política de proteção à população de rua
eram o recolhimento e a internação, ele instituiu programa de assistência. E,
com cartolina e uma máquina fotográfica instantânea, emitia ‘identidades’ para
moradores de rua, que passavam a ostentar o único documento que lhes indicava
nome, filiação, impressão digital e a imagem. Há muito a ser feito no Brasil
pelos excluídos, e as práticas do desembargador Siro Darlan são um ponto no
horizonte a nos guiar para a solidariedade e a justiça”.
Uma adolescente sugeriu à mãe que tatuassem um
coração em cada uma, demonstrando amor recíproco. Coisa rara, na idade em que
costumam querer se distanciar dos pais. Calorosa, a mãe acolheu o pedido e
foram ao tatuador, onde ouviram que “portaria do juiz Siro Darlan” proibia
tatuagem em criança ou adolescente, mesmo com autorização dos pais. Outros
tatuadores repetiram a estória. Um deles narrou processo que sofrera por tal
prática. A mãe indagou-me sobre a existência da norma e lhe disse que há quase
uma década tal juiz fora promovido a desembargador e que não teria poderes
constitucionais para tal restrição. Mas telefonei para ele, e a resposta foi a
mesma: não editara tal portaria e não poderia fazê-lo.
O desembargador Siro Darlan aproveitou para me
contar sobre quando chegou a um cinema e um grupo de adolescentes revoltados
reclamava por não poder entrar, ainda que o filme estivesse classificado para
as suas idades. O gerente colocara na porta aviso de que menores de 18 anos não
poderiam ingressar no cinema desacompanhados dos pais, “por ordem do juiz Siro
Darlan”. Custou a convencer o gerente do cinema de que era o próprio, que
jamais editara tal proibição, que há alguns anos era desembargador e que não
teria poderes para instituir tal restrição.
São muitas as ocorrências folclóricas sobre o
desembargador. Uma estudante narrou que sofria ao ouvir seu nome, pois a mãe,
diante de qualquer rebeldia, dizia que iria levá-la ao juiz. Outra mulher,
vendo-me acompanhado do desembargador numa reunião com movimentos sociais, se
aproximou com uma criança no colo e disse-me ser “menina do Siro”. Explicou que
fora moradora de rua e, acolhida pelo então juiz da Infância e Juventude, teve
oportunidade de fazer-se, estabelecer laços sociais e constituir família.
Ninguém que tenha exposição pública está isento dos
mitos que se constituem sobre si. Mas os criados em torno do eterno juiz da
Infância e Juventude Siro Darlan são emblemáticos. Não sem razão. Na época na
qual a única política de proteção à população de rua eram o recolhimento e a
internação, ele instituiu programa de assistência. E, com cartolina e uma
máquina fotográfica instantânea, emitia ‘identidades’ para moradores de rua,
que passavam a ostentar o único documento que lhes indicava nome, filiação,
impressão digital e a imagem. Há muito a ser feito no Brasil pelos excluídos, e
as práticas do desembargador Siro Darlan são um ponto no horizonte a nos guiar
para a solidariedade e a justiça.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em
18/01/2015, pag. E6. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2015-01-18/joao-batista-damasceno-lendas-de-um-juiz.html
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