O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson
Fachin, durante julgamento de habeas corpus em favor do ex-presidente Lula, no
último dia 4, afirmou que "não deixo de anotar que houve procedimentos
heterodoxos, mesmo que para finalidade legítima". O problema exposto pelo
ministro nos faz perguntar se os fins justificam os meios.
Paulo Mercadante, pensador social brasileiro,
indagou sobre o agir entre os compromissos com a civilidade e a ética da
finalidade. Sem se referir a tortura, assassinatos ou desaparecimentos escreveu
obra intitulada 'Militares e Civis: a Ética e o Compromisso'. Nela descreveu
duas categorias de militares durante a ditadura que durou 21 anos no Brasil.
Uma categoria era a dos herdeiros do Movimento Tenentista que tinham
compromisso com as instituições, seus modos de funcionamento, e que conceberiam
serem decorrentes de relações sociais. Portanto, sabiam não poder fazer as
coisas exclusivamente do jeito que quisessem. E outra categoria, composta pelos
militares da linha dura, capazes de qualquer comportamento, ainda que
heterodoxo, para atingir finalidades previamente estabelecidas. Era o grupo da
ética da finalidade.
Nesse contexto, é possível dizer que os militares
que transformaram quartéis em centros de tortura e promoveram mortes e
desaparecimentos tiveram uma conduta heterodoxa visando às finalidades das suas
atuações, sem considerações aos compromissos com a civilidade ou o Direito.
Em seminário promovido pela Fundação Internacional
para a Liberdade, presidida pelo conservador escritor peruano Mario Vargas
Llosa, em Madri, o ex-juiz Sergio Moro disse que "durante estes quatro
anos [de atuação na Lava Jato], me perguntei se não tinha ido longe demais na
aplicação da lei, se o sistema político não iria revidar".
Nenhum juiz quando atua no âmbito da legalidade se
questiona se foi longe demais. Esses autoquestionamentos somente são possíveis
quando se atua à sua margem e, normalmente, quando já se afastou muito das
margens da lei. Em data recente, o ministro Dias Toffoli afirmou que "é
hora de o Judiciário se recolher. É preciso que a política volte a liderar o
desenvolvimento do país e as perspectivas de ação", explicitando o
fenômeno da politização da Justiça.
Num Estado de Direito todos estão subordinados à
Lei, inclusive o próprio Estado que a edita. Os agentes públicos, mais que os
particulares, pois o particular pode tudo o que a lei não proíbe, mas o agente
público somente pode o que a lei manda.
Sem cumprimento do ordenamento jurídico, os agentes
públicos perdem a superioridade ética que lhes é conferida para executar as
leis. Mas, de todos, aqueles que mais devem velar pelo cumprimento da lei são
os juízes. Afinal, estão encarregados da sua aplicação e, ao Supremo Tribunal
Federal é atribuída a função precípua de guarda da Constituição, sem
heterodoxia.
Publicado originariamente
no jornal O DIA,em 08/12/2018, pag. 10. Link https://odia.ig.com.br/opiniao/2018/12/5600195-joao-batista-damasceno--procedimentos-heterodoxos.html
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