“A primeira
coisa que faremos será aniquilar todos os defensores do povo”. Esta frase é
parte da conversa do conspirador Ricardo, na obra Rei Henrique IV, de William
Shakespeare. Os que conspiram contra as liberdades públicas ou atuam à margem
da lei efetivamente têm suas razões para pretenderem aniquilar os que defendem
a dignidade da pessoa humana. E neste sentido as defensorias públicas no Brasil
sempre estiveram na mira dos que odeiam e não sabem exercitar a compaixão,
qualidade que nos faz humanos e nos torna capazes de compartilhar o sentimento
dos que sofrem, propiciando meios para minorá-lo.
A compaixão suscita um impulso altruísta de ternura
para com o sofredor e nos torna solidários. O cristianismo, e depois dele a
cultura dos direitos humanos, se funda na solidariedade aos desvalidos, que são
os que mais demandam justiça
A Justiça não é apenas o resultado de uma decisão
judicial. Precisa ser mais que isto e alcançar a plenitude do que é necessário
para a pessoa humana. Mas, diante da supressão dos direitos à Saúde, Educação,
emprego, alimentação, moradia e outros essenciais ou vitais a atuação das
defensorias públicas no Brasil tem sido um alento para aqueles que sofrem. A
própria existência das defensorias públicas é questionada em alguns lugares,
isto porque buscam assegurar direitos dos pobres contra quem tudo se apropria.
Por outro lado, onde existem tem-se buscado
enfraquece-las, ora lhes subtraindo meios de funcionar com eficiência e noutros
momentos lhes subtraindo as atribuições. Quando do julgamento de uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade que questionava a legitimidade da Defensoria
Pública para propor ações coletivas, a ministra do STF, Cármen Lúcia, com a
lucidez que lhe é peculiar, fez a seguinte indagação: “A quem interessa
enfraquecer a Defensoria Pública?”. A ministra Cármen Lúcia é oriunda de Minas
Gerais, terra da liberdade e de Tiradentes, condenado à forca e
esquartejamento, sem defesa efetiva.
A defesa de um indivíduo que sofre uma injustiça é
importante. Mas, muito mais importante é a defesa de um conjunto de indivíduos
por meio de uma ação coletiva. Com uma única ação e uma única sentença todos os
que estejam na mesma situação podem ter assegurados os direitos lhes garantidos
pela ordem jurídica. Naquele caso o STF decidiu, por unanimidade, que os
defensores têm legitimidade para a propositura de ações coletivas.
Mas aquela decisão do STF não foi suficiente
para calar os punitivistas. Neste momento voltam a atentar contra o direito de
ter direito e buscam suprimir, também com uma ação no STF, o poder de
requisição pela Defensoria Pública. O argumento é que se os advogados não têm
direito de requisição, os defensores também não podem ter e que isto implica
disparidade de armas
Requisição é ordem legal de apresentação ou
disponibilização de determinado bem ao requisitante para atendimento a fim de
interesse público. O poder de requisição de informações ou provas pela
Defensoria Pública é fundamental para a garantia do direito de defesa, devido
processo legal e garantia de interesses legítimos. Se os advogados não o têm,
não é o caso de suprimir tal prerrogativa das defensorias públicas, mas
estender aos advogados, tal como ocorre nos Estados Unidos. De outro modo,
teríamos a supressão do poder requisitório da Defensoria Pública, indispensável
para a defesa dos direitos, porque os advogados não o têm, e manutenção do
poder do Ministério Público, para a acusação.
A Constituição da República não confere ao
Ministério Público poder para instaurar e presidir inquérito policial, podendo
requisitá-lo. E deve exercer o controle externo da atividade policial. O MP,
com amplo poder requisitório, não tem poder investigatório em matéria criminal.
Mas, o faz. Poderia se limitar à requisição do trabalho que compete à policia e
exercer o controle para aferir se foi realizado adequadamente. Em momento no
qual devemos instituir a investigação defensiva, para contraposição à
investigação policial ou do MP, às vezes com duvidosa legalidade, não atende ao
Estado de Direito Democrático a supressão do poder requisitório das defensorias
públicas.
Para a plena realização do devido processo legal,
contraditório e ampla defesa não só é indispensável a manutenção do poder
requisitório das defensorias públicas, como é fundamental a instituição da
investigação defensiva. Tais direitos não hão de ser garantidos em favor das
defensorias públicas ou dos defensores, mas dos assistidos por tal instituição
e agentes de defesa.
Publicado originariamente no dia 20/11/2021 no jornal O DIA, pag. 14.
Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/11/6278599-joao-batista-damasceno-por-que-querem-enfraquecer-a-defensoria-publica.html
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