Campos Sales, quando ministro da justiça do primeiro governo
republicano, instituiu o Ministério Público brasileiro. Tratou-se da
institucionalização de um corpo permanente de funcionários visando à
perseguição dos inimigos políticos. Sucedendo os dois primeiros presidentes
militares, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, subiu à presidência Prudente
de Morais, representando a ascensão da oligarquia cafeicultora ao poder
nacional.
A entrega do poder às oligarquias rurais na Primeira
República foi tão acentuada que o próprio irmão do presidente Prudente de
Morais, Manoel de Moraes Barros, dizia o seguinte: “O Biriba [apelido do
presidente], manda lá no Brasil. Aqui em Piracicaba quem manda é nós”. Prudente
de Morais foi sucedido na presidência por Campos Sales, que governou de 1898 a
1902.
O Brasil era um fazendão, governado pelas oligarquias
regionais, com proteção do governo federal. A base da economia nacional era a
exportação de café. Campos Sales formatou o Pacto Coronelista, compromisso
entre o poder privado decadente e o poder público fortalecido. Era das verbas
públicas, não necessariamente por meio de emendas parlamentares, e da garantia
do preço mínimo do café que se enriqueciam as oligarquias. As oligarquias eram
situacionistas e um coronel chegou a se manifestar, tal como parcela do
parlamento atualmente: “O governo mudou. Mas eu não mudo. Continuo governista”.
Por ocasião da votação do projeto anual de lei orçamentária,
os parlamentares faziam todo tipo de emenda, constrangendo o governo com
matérias e interesses que não se referiam à receita ou despesa pública. Somente
com a Revolução de 30 adotamos a exclusividade da lei orçamentária. A
Constituição de 1988 diz que a lei orçamentária não conterá dispositivo
estranho à previsão da receita e à fixação da despesa. Isto não impede as
emendas parlamentares destinando verbas a prefeituras capazes de enriquecer os
políticos dos grotões.
A falta de um projeto nacional de longo prazo está fazendo o
Brasil retroceder a padrões antigos. O Brasil está se desindustrializando e não
está se preparando para o futuro. Perdemos a primeira Revolução Industrial, com
o surgimento das máquinas a vapor, a segunda, no século XIX, com o surgimento
da energia elétrica e estamos perdendo a presente que é a tecnológica. Tal como
na Primeira República quando exportávamos café, voltaremos a ser um fazendão
exportador de soja, proteína animal e minério em estado bruto.
O boom das commodities (matéria prima sem valor agregado) tem
levado governos, até os chamados progressistas, a intensificarem a exploração
de bens naturais com vistas à exportação ao invés de investirem em educação e
ciência e tecnologia para nos prepararmos para o futuro. Exportamos produtos
primários e importamos seus derivados industrializados. Embora o Brasil tenha o
maior rebanho bovino do mundo, destinado à exportação, a produção de leite é
deficitária e somos importadores. Já não consumimos leite ou seus derivados,
mas “bebidas lácteas”, artificialmente saborizados, compostos químicos muitas
das vezes nocivos à saúde.
A intensificação da espoliação da natureza demandada por esse
modo de exploração do solo e dos recursos hídricos não pode ser feita em nome
do desenvolvimento. Estamos regredindo a patamares anteriores à Revolução de
30. A criação bovina utiliza pouca mão de obra e a mecanização da monocultura
agrícola gera riqueza para poucos. O aumento do preço dos produtos primários
(commodities), que justifica tal política econômica, não favorece o
desenvolvimento nacional, nem o crescimento econômico. Ao contrário, gera
concentração de renda nas mãos dos poucos exploradores e exportadores, tal como
na Primeira República.
Campos Sales promoveu o maior programa de privatização que
este país já conheceu até o advento dos governos pós-constituinte de 1988. A
Revolta da Vacina, ocorrida em 1904 no governo de Rodrigues Alves, não decorreu
apenas da compulsoriedade da vacina. Mas de outros descontentamentos advindos
do governo anterior, decorrente de demolição de casas para abertura de avenidas
e construção de prédios modernos, no chamado “bota-abaixo”, expulsando a
população pobre para as encostas dos morros, além das tensões pelo privilégio
dado ao capital investidor em detrimento dos brasileiros.
Governos que repetem os erros do passado não podem ser
chamados de progressistas. Se governam defendendo o lucro extraordinário de
banqueiros, para além de possíveis diferenças com a direita, se igualam nos
resultados, apesar da diversidade de discursos. E não adianta a apresentação de
números que demonstrem crescimento econômico se não há como negar as
desigualdades econômicas e sociais, decorrentes do modelo exportador de
matérias-primas em grande escala.
Igualmente não adianta negar ou encobrir as implicações,
impactos, consequências e danos do modelo extrativista exportador. Neste
momento, de modo deliberado, multiplicam-se os grandes empreendimentos
mineradores ao mesmo tempo que ampliam a fronteira agrária, por meio de
monoculturas. Tal como na Primeira República, a política econômica atende aos
banqueiros e aos exploradores e exportadores de produtos primários, sem
qualquer valor agregado, relegando os brasileiros ao papel de párias no cenário
internacional.
Publicado originariamente
no jornal O DIA, em 11/01/2025, pag. 12. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2025/01/6982975-joao-batista-damasceno-brasil-o-retorno-ao-fazendao.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário