“O documentário ‘O Estopim’, de
Rodrigo Mac Niven, é um registro das ocorrências do tempo presente. O tema é
denso. Trata do ‘Caso Amarildo’. Mas não só dele. A abordagem demonstra que
muitas outras pessoas pobres foram igualmente torturadas, mortas ou
desaparecidas pela política de segurança militarizada. Com rara sensibilidade,
faz precisa conexão entre as falas dos entrevistados, demonstra as permanências
autoritárias herdadas do regime empresarial-militar, mostra o dissenso entre a
sociedade e o Estado — que foi o estopim para as manifestações de 2013 — e
termina com mensagem de esperança. O filme é mais que um registro. Ele instiga
a necessidade de organização da sociedade contra o estado de barbárie e de
desumanização dos pobres, num momento no qual deles tudo o que se espera é o
voto.”
Passado um ano da tortura, morte e desaparecimento do Amarildo, fatos
similares continuam a ocorrer. A política de segurança militarizada instituída
pelo governo do estado em forma de UPP, com o apoio do governo federal, atende
às exigências dos marqueteiros, mas não é solução para os reais problemas
sociais. Os constantes conflitos nas áreas ocupadas militarmente demonstram que
não houve qualquer pacificação.
As UPPs não são um conceito que, na prática, se bem aplicado, seria
eficiente. Delas resulta a violência nas áreas ocupadas. Policiais mandados
para o confronto matam, mas também morrem, e a responsabilidade é dos que
formulam tal política, que também vitimiza praças e a baixa oficialidade.
Pensar que as UPPs seriam boas sem a violência seria o mesmo que imaginar que o
Nazismo teria sido bom sem o holocausto ou que a ditadura empresarial-militar
teria sido boa sem as truculências que praticou.
As ocorrências nefastas são o fruto possível dos modelos políticos
autoritários. Não se trata de despreparo ou de casos isolados. Mas de uma
política que incide no controle da parcela da população que entra no mercado de
trabalho pela margem, que dele está excluída e que não integra o conceito de
consumidor, status liberal da cidadania. A parcela da população que não dispõe
de meios para consumir não pode sequer andar pelos espaços destinados ao
consumo, como ocorreu na repressão aos jovens pobres que pretendiam passear, em
forma de ‘rolezinho’, pelos shoppings da Zona Sul carioca.
Nenhuma política que tenha o aparato repressivo do Estado como premissa
será solução para os problemas sociais. As ideias não são novas se apenas
tiveram roupagem diferente. Toda a história do Brasil é permeada pela repressão
e eliminação física dos pobres não padronizados aos modelos ditados pela classe
dominante.
O documentário ‘O Estopim’, de Rodrigo Mac Niven, é um registro das
ocorrências do tempo presente. O tema é denso. Trata do ‘Caso Amarildo’. Mas
não só dele. A abordagem demonstra que muitas outras pessoas pobres foram
igualmente torturadas, mortas ou desaparecidas pela política de segurança
militarizada. Com rara sensibilidade, faz precisa conexão entre as falas dos
entrevistados, demonstra as permanências autoritárias herdadas do regime
empresarial-militar, mostra o dissenso entre a sociedade e o Estado — que foi o
estopim para as manifestações de 2013 — e termina com mensagem de esperança. O
filme é mais que um registro. Ele instiga a necessidade de organização da
sociedade contra o estado de barbárie e de desumanização dos pobres, num momento
no qual deles tudo o que se espera é o voto.
Publicado
originariamente no jornal O DIA, de 05/10/2014, pag. E2. Link: http://odia.ig.com.br/noticia/opiniao/2014-10-05/joao-batista-damasceno-amarildo-e-o-estopim.html
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