terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Em defesa de Eduardo Cunha?


“É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança”.
Parcela da sociedade comemorou a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha sem perceber que a violação de seus direitos é a exceção, à direita, necessária para violarem os direitos de qualquer um.
Dispõe a Constituição que ninguém será preso se por outro modo puder ser responsabilizado criminalmente e que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ainda que o próprio STF esteja negando o texto constitucional.
O juiz Sérgio Moro justificou a prisão de Eduardo Cunha com argumentação genérica, tal como abusivamente se faz todo dia no Brasil. O STF, que interveio no funcionamento parlamentar e afastou Cunha do exercício de seu mandato, já havia negado o pedido de prisão sob o fundamento de que outras medidas acautelatórias poderiam ser impostas e que a prisão era desnecessária.
A violação dos direitos do pior dos fascínoras é a porta aberta para violação dos direitos de toda a sociedade. É com a tácita autorização para se matar jovens negros na periferia que agentes do estado matam qualquer um, bastando-lhes posteriormente dizer que se tratava de traficante.
Quando Lula foi indevidamente conduzido coercitivamente, sem prévia intimação, a comentariasta televisa Cristiana Lobo dizia que não havia arbitrariedade porque era a 147ª condução ordenada por Moro. As 146 violações anteriores serviram para justificar a arbitrariedade cometida contra Lula. O que muitos não vêem é que Cunha, assim como o foi Severino Cavalcanti, é baixo clero; é pessoa com visibilidade, mas não é componente da estrutura real de poder no Brasil. Duvido que José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, José Serra, Tasso Jereissati, Aécio Neves, Michel Temer ou Fernando Henrique Cardoso venham a ser molestados. É fácil processar e julgar membros de setores populares, ainda que alçados a visibilidade, ou gente do baixo clero que cai em desgraça e passa a ter o valor de um cachorro morto na beira da estrada como é Eduardo Cunha.
É com a garantia dos direitos daqueles com quem não nos afeiçoamos que colocamos a prova nossa fidelidade aos valores com os quais dizemos ser comprometidos. Que todos tenham os seus direitos assegurados. Até mesmo Eduardo Cunha. E que a justiça se faça e imponha responsabilidades sem se confundir com vingança.
 
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/10/2016, pag. 11.

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