domingo, 11 de agosto de 2019

Promiscuidade institucional

Mais mulheres são efetivamente estupradas sem denunciarem ao sistema de justiça que as que formulam falsas acusações. Mas, estas ocorrências igualmente não podem ser ignoradas, nem o princípio de que todos são inocentes até a prova definitiva em contrário. O princípio da inocência há de valer para todos, como marco civilizatório. Em data recente uma acusação de estupro a um jogador de futebol dividiu as opiniões nas redes sociais. Sem qualquer informação confiável uns acusavam a mulher, outros condenavam o jogador e outros ainda o inocentavam. Até a advogada do acusado sofreu intimidações, por ser uma militante feminista. A advocacia vem sendo criminalizada e não falta incompreensão do papel do advogado, que é defender os direitos dos acusados a um julgamento justo, o que não se confunde com participação nos fatos imputados.
A promiscuidade envolvendo mídia, magistrados, membros do MP e policiais é um sério risco para as liberdades públicas. Para evitar este tipo de `feijoada institucional’ é que foi formulado o sistema da separação dos poderes que devem ser independentes, com competências exclusivas, e harmônicos, isto é, sem adentrar nas esferas uns dos outros.

O princípio de que ninguém deve ser considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória foi relativizado e basta que a mídia aponte alguém como suspeito para ser considerado culpado.

Em 2011 um escândalo sexual derrubou o francês Dominique Strauss-Khan da diretoria do Fundo Monetário Internacional. Ele era um dos políticos mais influentes da França e favorito nas eleições que se avizinhavam. Dominique chegou a ser preso, mas o Ministério Público requereu o encerramento do caso, surpreendendo a Suprema Corte de Justiça de New York e até própria defesa. A camareira do hotel que o acusava de estupro fora flagrada pelo Ministério Público numa ligação para o namorado preso, perguntando o que poderia ganhar se acusasse o francês de estupro. A inexistência de conluio entre o Ministério Público e o Poder Judiciário propiciou que a justiça fosse feita naquele caso.

Acostumados a conversas de confessionários, quando da falência da Varig, um grupo de juízes foi a New York para uma “conversinha com o coleguinha estadunidense”, sobre uns aviões apreendidos por lá. O juiz os recebeu e lhes disse que não poderia comentar o caso, pois nos EUA um juiz não pode comentar sobre um processo sem a presença das demais partes interessadas.

O escândalo envolvendo o ministro Sérgio Moro e o procurador Dellagnol na perseguição ao ex-presidente Lula nos dá a dimensão do que é capaz o sistema de justiça no Brasil, onde os “embargos de pé de ouvido” são – por vezes – mais eficientes que as petições. Moro diz que o que fez é comum. O furto de relógios e celulares de pedestres desavisados na Praia de Copacabana também é comum. E nem por isto é lícito. À margem da lei todos são marginais e o ministro atuou à margem dela. O conluio não foi negado e as mensagens podem ser recuperadas no aplicativo ou nos aparelhos usados pelos agentes públicos transgressores. Cabe aos tribunais superiores restabelecer os parâmetros de legalidade e racionalidade que devem orientar o sistema de justiça.


Publicado originariamente no jornal O DIA, em 22/06/2019, pag. 8. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2019/06/5655689-joao-batista-damasceno--promiscuidade-institucional.html

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