A mobilização do aparato repressivo estatal na busca pelo ‘serial killer’, Lázaro Barbosa despertou a atenção da mídia e da sociedade brasileira e transformou aquela ocorrência policial em um espetáculo. Mas o que pouco se expôs foi a natureza política, econômica e imobiliária de toda a trama. Depois de longo período de perseguição, Lázaro Barbosa foi encontrado com armas, munição, remédios, materiais de camuflagem, comida industrializada, que não se encontram no meio da mata, e mais de R$ 4 mil em espécie.
Uma faceta do caso é que Lázaro Barbosa não era apenas um psicopata que
matava sem critério. Há indicativos de que executava pequenos sitiantes a fim
de possibilitar que latifundiários pudessem se apropriar de suas terras.
Igualmente difundia o terror, fazendo com que outros, dada a vulnerabilidade,
vendessem a preço de banana as suas propriedades. A violência como modo de
aquisição de propriedade no Brasil remonta às primeiras ocupações.
Não vou citar nesta crônica o anarquista Mikhail Bakunin, porque a
Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática/DRCI do Rio de Janeiro andou
investigando o seu paradeiro, quando prendeu manifestantes em 2013, e pode
querer voltar a procurar o pensador. Mas, outro pensador, do mesmo viés
ideológico, Pierre-Joseph Proudhon, escreveu uma obra intitulada ‘A propriedade
é um roubo’. Diante da forma de apropriação das riquezas nacionais podemos
dizer que algumas propriedades no Brasil se fundam em algo similar a
latrocínio, por se tratar de subtração de coisa alheia mediante violência, da
qual resulta a morte da vítima.
A violência no campo vitima os sitiantes, cujas propriedades são
expropriadas pelo latifúndio, que são expulsos ou mortos. Igualmente morrem
seus advogados que defendem suas posses e jornalistas que denunciam as
grilagens e falsificações de escrituras ou registros imobiliários. Até
procuradores da República e juízes que se dispuseram a garantir o direito de
quem o tinha já foram assassinados. A recente recusa das Forças Armadas em
apoiar uma decisão do STF relativa à garantia de posse de uma comunidade
indígena, sob o argumento de falta de recursos, é emblemática. Faltam recursos
para apoiar execução de decisão do STF em defesa de indígenas contra grileiros.
Mas, não os faltam para as motociatas.
A ocupação das terras públicas no Brasil nunca cessou. Da Independência em 1822
à edição da primeira lei de terras em 1850 poucas terras públicas foram
vendidas ou doadas. Mas, muitas foram irregularmente ocupadas e legalizadas com
a edição daquela lei. Os grileiros nunca agiram sem proteção de agentes
estatais.
No presente momento as reservas indígenas estão sendo ocupadas por
madeireiros, garimpeiros e grileiros, em mais uma onda de apropriação indevida
do que é de todos. As terras onde se assentam os povos indígenas ou originários
não são propriedades dos ocupantes. Mas da União Federal. Os indígenas
preservam o que é de todos nós, tanto as matas, as nascentes, quanto as
riquezas minerais nelas existentes. A apropriação das terras públicas e das
riquezas que nelas se encontram é indevida usurpação de
bem que é de todos. Quando tudo estiver apropriado e privatizado o povo
brasileiro estará privado de tudo.
Falei do Lázaro Barbosa e da apropriação das terras públicas no Brasil.
Faltou falar dos casos em que militares ingressam, como sócios minoritários e
sem exercício de gerência, em empresas cujo objetivo real é a apropriação de
terras públicas e particulares. Mas isto demandaria uma longa narrativa e o
editor limita o número de caracteres do texto. Fica para uma próxima crônica.
Publicado originariamente no jornal O DIA, em 03/07/2021. Link: https://odia.ig.com.br/opiniao/2021/07/6179818-joao-batista-damasceno-lazaro-propriedade-publica-e-militares.html
Parabéns pelo texto. Obrigado
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