terça-feira, 5 de agosto de 2014

Relato de um viajante da Supervia




“Caminhamos para as plataformas para pegar qualquer trem que estivesse saindo. Andaríamos apenas duas estações e todos passariam por elas. As saídas para Belford Roxo já estavam encerradas. A próxima saída anunciada era dentro de meia hora, às 16:30h, para Santa Cruz. Eu acho que santos são os passageiros pela penitência cotidiana. O trem era velho e sujo. Com muito lixo pelo piso. Um calor infernal e começou a entrar gente. Pessoas pobres, crianças, jovens e de meia idade. Mas, todos com caras cansadas e falta de esperança no olhar.

“O meu filho que nunca vira a miséria de tão perto – porque tem apenas 5 anos - começou a perguntar porque o trem era tão velho. Porque ele era tão quente. Porque era tão sujo. Em seguida começou a perguntar porque o metrô tem ar condicionado e para aquelas pessoas não tem. Dei respostas evasivas. Não tive coragem de dizer para ele, naquele momento, que aquelas pessoas que são transportadas naquele trem sequer são tratadas bestializadamente. Pois, aos animais se transportam com maior conforto e segurança porque têm valor econômico”.

Domingo, eu, minha mulher e meu filho de 5 anos fomos almoçar num tradicional restaurante português que fica nas imediações da Central do Brasil, o Sentai. O meu filho quis conhecer a cozinha e acabou fazendo amizade com o gerente, com os garçons e com os cozinheiros. Ficou encantado com as comidas flambadas. Um garçon... perguntou se ele gostaria de ser cozinheiro. Ele disse que não. Que será maquinista de trem bala.

Ao sairmos do restaurante tive a idéia de levá-lo para andar de trem. Minha mulher foi de carro para a estação de São Cristóvão onde nos esperaria. De lá voltaríamos para casa pelo Túnel Santa Barbara. Tudo aqui é santo. Ao descermos do carro o chapéu do meu filho caiu no chão e, com o vento, saiu rolando. Ao apanhá-lo senti que estava molhado, de mijo. Jogamos o chapéu numa lata de lixo e fomos para a estação Central do Brasil. Recomendei ao meu filho que não tocasse na boca ou nos olhos e fomos procurar um banheiro para lavarmos as mãos. Disseram-nos que dentro da estação há, pago. Ok!

Compramos os bilhetes e confirmamos com a vendedora a existência do banheiro dentro da estação. Ela nos disse até o preço: R$ 0,75. Ao passarmos pela roleta um segurança nos disse que os banheiros não estavam funcionando e que se quiséssemos sair para procurar um banheiroao voltarmos teríamos que adquirir novos bilhetes. Tudo bem, desde que do lado de fora existisse algum.

Fui até os fundos da cabine da vendedora e comecei a esmurrar uma janelinha na esperança de que ela nos indicasse onde era o tal banheiro que nos falara. Um outro segurança foi até onde estávamos e perguntou o que estava acontecendo. Falta banheiro e adequado serviço de transporte, mas sobram agentes de segurança, no melhor estilo dos estados policiais, com suas características de brutalidade e violência como referência para solução dos problemas. Relatei a informação errônea que receberamos. Ele nos levou até o banheiro da administração. Pronto. Pudemos lavar as mãos. Perdemos apenas 15 minutos.

Caminhamos para as plataformas para pegar qualquer trem que estivesse saindo. Andaríamos apenas duas estações e todos passariam por elas. As saídas para Belford Roxo já estavam encerradas. A próxima saída anunciada era dentro de meia hora, às 16:30h, para Santa Cruz. Eu acho que santos são os passageiros pela penitência cotidiana. O trem era velho e sujo. Com muito lixo pelo piso. Um calor infernal e começou a entrar gente. Pessoas pobres, crianças, jovens e de meia idade. Mas, todos com caras cansadas e falta de esperança no olhar.

O meu filho que nunca vira a miséria de tão perto – porque tem apenas 5 anos - começou a perguntar porque o trem era tão velho. Porque ele era tão quente. Porque era tão sujo. Em seguida começou a perguntar porque o metrô tem ar condicionado e para aquelas pessoas não tem. Dei respostas evasivas. Não tive coragem de dizer para ele, naquele momento, que aquelas pessoas que são transportadas naquele trem sequer são tratadas bestializadamente. Pois, aos animais se transportam com maior conforto e segurança porque têm valor econômico.

Às 16:25 meu filho começou a se impacientar. Eu já estava impaciente há muito tempo, apenas procurava fazer com que nossa aventura fosse a menos desconfortável possível. Expliquei ao meu filho que o trem sairia em 4 minutos e ele quis saber quanto eram 4 minutos. Sugeri a ele contar até 60 por 4 vezes. Deu certo. Enquanto contamos deu 16:30h. Disse ao meu filho que a qualquer momento o trem partiria. Mal acabei de dizer e o trem anunciou a partida. Pelo menos houve pontualidade. Meu filho pôs-se na janela, em pé sobre o banco, e me mostrava os pontos da cidade que continua maravilhosa, na medida que os reconhecia.

Chegamos à estação de São Cristóvão. Umas pessoas que estavam sentadas próximas à porta não se deslocaram para que pudéssemos descer. Passamos sobre suas pernas e cheguei a esbarrar meu pé numa delas. Pedi desculpas, reconhecendo que seria demais esperar que uma pessoa que nada recebe pudesse ter a gentileza de se levantar ou arredar-se da porta para possibilitar o desembarque de um sujeito branco, notoriamente de classe média, com seu filho arrumadinho no universo dos excluídos. Como esperar qualquer generosidade ou respeito de quem só apanha, inclusive com chicotadas dadas pelos seguranças da empresa ferroviária?

O trem fechou as portas e partiu. Parecia um milagre. Coisa de Santa Cruz. Todas as portas se fecharam, partiu sem solavancos e com o maquinista na cabine. Meu filho pediu para ficar na estação olhando sua saída. Ficamos. O trem sumiu nos trilhos. Acho que foi para o Paquistão ou para a Índia. As pessoas que ele transportava eram muito parecidas com as daqueles países. Acho que eram párias. Vestiam-se com cores escuras e suas peles não eram claras. Não muito escuras. Mas, encardidas.

João Batista Damasceno
Outubro/2009.

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