quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Ministra isolada


Ao lado das instituições formais, a mídia insistiu na fantasiosa versão oficial de envolvimento do Amarildo com o tráfico

A ministra Maria do Rosário, ponto fora da curva num governo privatizador e comprometido com a militarização da política de segurança pública, acertou o alvo quando, em agosto, afirmara que a política de segurança do Estado do Rio e sua polícia mataram Amarildo. A alegação do secretário Beltrame de que era prematura a afirmação relembra o Caso Riocentro. Mas, naquele episódio, a imprensa antecipou a apuração.

É clássica a frase atribuída a um oleiro em Sans-Souci ao imperador prussiano Frederico Guilherme: “Ainda há juízes em Berlim”. Pouco provável que tenha sido dito. Equivaleria a um jovem negro e pobre, à noite e na periferia, dizer não aceitar ser preso para averiguação, porque a Constituição apenas autoriza a prisão em flagrante ou por mandado judicial. Mas serve para mostrar que, sem a crença na Justiça, sociedades afundam na vilania.

Ainda há juízes no Brasil! Assim como promotores e delegados, apesar dos papéis institucionais. A atuação da promotora Marisa Paiva no Caso Amarildo é exemplar. Também do delegado Orlando Zaccone. Ele apresentou relatório compatível com a realidade. Não chancelou os mórbidos desejos da política de segurança nem endossou a versão oficial de que Amarildo fora morto pelo tráfico e não requereu a prisão da viúva. Era só o que faltava! Além da truculência policial, do vilipêndio à memória da vítima, prender a esposa para corroborar a farsa.

A elite da segurança pública tem os seus interesses para montar estas versões, e os escalões inferiores são brutalizados e lançados na ‘guerra às drogas’, expondo suas vidas sem entender o papel que desempenham. Mas de juízes e promotores se espera que entendam o que não é dado a entender aos praças.

Ao lado das instituições formais, a mídia insistiu na fantasiosa versão oficial de envolvimento do Amarildo com o tráfico. Sem qualquer indício de ilicitude, a vítima foi caluniada. Foi a efervescência de parcela da sociedade civil que forçou os olhares institucionais para o ponto iluminado da realidade.

Publicado originariamente no jornal O DIA, em 30/10/2013, pag. 18.

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