Ao lado das instituições formais, a mídia insistiu na fantasiosa versão
oficial de envolvimento do Amarildo com o tráfico
A ministra Maria do Rosário, ponto
fora da curva num governo privatizador e comprometido com a militarização da
política de segurança pública, acertou o alvo quando, em agosto, afirmara que a
política de segurança do Estado do Rio e sua polícia mataram Amarildo. A
alegação do secretário Beltrame de que era prematura a afirmação relembra o
Caso Riocentro. Mas, naquele episódio, a imprensa antecipou a apuração.
É clássica a frase atribuída a um
oleiro em Sans-Souci ao imperador prussiano Frederico Guilherme: “Ainda há
juízes em Berlim”. Pouco provável que tenha sido dito. Equivaleria a um jovem
negro e pobre, à noite e na periferia, dizer não aceitar ser preso para
averiguação, porque a Constituição apenas autoriza a prisão em flagrante ou por
mandado judicial. Mas serve para mostrar que, sem a crença na Justiça, sociedades
afundam na vilania.
Ainda há juízes no Brasil! Assim como
promotores e delegados, apesar dos papéis institucionais. A atuação da
promotora Marisa Paiva no Caso Amarildo é exemplar. Também do delegado Orlando
Zaccone. Ele apresentou relatório compatível com a realidade. Não chancelou os
mórbidos desejos da política de segurança nem endossou a versão oficial de que
Amarildo fora morto pelo tráfico e não requereu a prisão da viúva. Era só o que
faltava! Além da truculência policial, do vilipêndio à memória da vítima,
prender a esposa para corroborar a farsa.
A elite da segurança pública tem os
seus interesses para montar estas versões, e os escalões inferiores são
brutalizados e lançados na ‘guerra às drogas’, expondo suas vidas sem entender
o papel que desempenham. Mas de juízes e promotores se espera que entendam o
que não é dado a entender aos praças.
Ao lado das instituições formais, a
mídia insistiu na fantasiosa versão oficial de envolvimento do Amarildo com o
tráfico. Sem qualquer indício de ilicitude, a vítima foi caluniada. Foi a
efervescência de parcela da sociedade civil que forçou os olhares
institucionais para o ponto iluminado da realidade.
Publicado originariamente no jornal O
DIA, em 30/10/2013, pag. 18.
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